TEXTOS DE APOIO
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http://pt.wikipedia.org/wiki/Fern%C3%A3o_Mendes_Pinto
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OS LUSÍADAS. Luís de Camões
Ed. organizada por António José Saraiva, Livraria Figueirinhas,
3ª ed, Lisboa, 2006
Cada estrofe tem ao lado um pequeno texto que explica o seu conteúdo:
(clicar)
(clicar)
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TEXTOS DE APOIO À SESSÃO DE 7 DE FEVEREIRO
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LUÍS DE CAMÕES E OS LUSÍADAS
TEXTO DE APRESENTAÇÃO
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Texto inicial de Frederico Lourenço:
NÓS SOMOS
AHAB
- Ouvi, mais uma vez - a camada inferior. Todos os objetos visíveis, homem, são mascaras de papelão. Mas em cada evento, no ato da vida - o feito indubitável —, algo desconhecido, mas racional, apresenta o contorno dos seus traços por trás da máscara irracional. Se o homem for atacar, que ataque para destruir a máscara! Como pode o prisioneiro escapar, a menos que rompa os muros da prisão? Para mim, a baleia branca é o muro que me oprime. Às vezes, penso não haver nada do outro lado. Mas já basta a baleia. Ela me desafia e me diminui; vejo nela a força absurda, impulsionada pela perversidade inescrutável. Essa coisa inescrutável é o que mais odeio; e seja a baleia branca agente ou principal, hei de descarregar sobre ela esse ódio. Não me faleis de blasfêmia, homem; eu atacaria o sol, se me insultasse. Pois, se o sol me pode insultar, posso atacá-lo, de vez que sempre há nessas coisas uma espécie de justiça, pois o ciúme governa toda a criação. Mas nem essa justiça, homem, é minha senhora. Quem está acima de mim? A verdade não tem limite.
O Capitão Ahab dirige-se à tripulação em "O Tombadilho", capítulo 36 de Moby Dick, instando-os a acompanhá-lo na busca prometeica, na caça e morte à baleia branca que o mutilara. O Ahab de Melville fala em prosa shakespeariana, metafísica, dramática, transformada pelo gênio do autor em um elemento permanente do idioma norte-americano.
"Ataque para destruir a máscara!" é a diretiva que Ahab nos oferece. Ficamos aprisionados dentro dos muros do universo visível, natural, e Moby Dick "é o muro que [nos] oprime". Talvez não exista nada além do muro, mas Ahab não haverá de remoer tal niilismo; Moby Dick já basta: "Ela me desafia e me diminui." Ouvimos aqui a voz da espiritualidade norte-americana instintiva, afirmando-se contra uma natureza por ela repudiada. O que há de melhor e mais primordial em Ahab expressa, em um brado, o desafio norte-americano: "Eu atacaria o sol, se me insultasse!"
Quando acrescenta "Quem está acima de mim?", Ahab não está rejeitando o Deus desconhecido, mas a tirania da natureza em relação ao homem.Equivocamo-nos quanto a Ahab, figura tão majestosa, ao alardeamos a sua violência, conforme o fazem muitos estudiosos moralistas. Ahab não é vilão, nem mesmo herói-vilão, como Macbeth. Não apenas a nossa simpatia é cativada por Ahab: nós somos Ahab. Ele nos desafia e oprime, pois é o herói norte-americano, nosso Dom Quixote trágico, em busca da justiça final diante da derradeira inimiga, a morte.
[in: GÉNIO – Os 100 autores mais cristivos da
História da Literatura; Harold Bloom,
Objectiva, Rio de Janeiro, 2003]
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14 março 2013
O episódio da "ilha dos amores": Canto IX, estr. 51 a 92
Columbano: Os portugueses e as ninfas na Ilha dos Amores
Gravura em madeira, Museu do Chiado
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Columbano: Os portugueses e as ninfas na Ilha dos Amores
Gravura em madeira, Museu do Chiado
*
A DIGNIFICAÇÃO ÉPICA DOS HERÓIS
1. A «ÍNSULA
DIVINA»
É na precisa altura em que os «mininos
voadores» de Cupido se preparam para ferir os humanos (culpados de mal
amarem) que Vénus convence o filho a orientar diferentemente o seu combate: ajudando-a a recompensar devidamente os Lusitanos,
ferindo de amor as ninfas que os aguardavam numa ilha por si preparada no
Oceano, poderá fazer que uma nova geração — «progénie
forte e bela» — de humanos nasça — geração essa que servirá
de exemplo ao «mundo vil, malino» que se revolta contra Cupido.
Assim preparada por Vénus, com a
ajuda de Cupido, a Ilha vai ser
avistada pelos nautas (IX,52). A medida que dela se vão aproximando, ela vai-lhes
surgindo em contornos mais precisos: árvores, fontes, frutos apetitosos,
odoríferos e coloridos (laranjas louras, cidra amarela, limões que imitam
«virgíneas tetas», cerejas purpúreas, a «rubicunda romã», mais valiosa que o
rubi, as peras piramidais, os cachos roxos). Tudo, nesta magnífica descrição
plástica de Camões, está cheio de sensualidade, favorecendo o apetite e os
prazeres da vista, olfacto, paladar, ouvido, tacto. Não é esquecida a presença
da água e do verde, bem como a dos animais, nomeadamente de caça.
Desembarcados na Ilha (estrofe 64), outras maravilhas aguardam os navegadores: as
belas deusas, os prazeres da música; deusas nuas ou quase nuas, em cuja
perseguição se lançam Veloso e os companheiros. São os jogos do amor, a alegria
e a plenitude do corpo satisfeito. Dos jogos de amor, particular atenção é dada
aos de Lionardo e da sua ninfa, a quem dirige palavras de sabor petrarquista,
ao modo dos amores palacianos. A estrofe 83 resume brilhantemente a atmosfera
amorosa vivida na Ilha de Vénus:
são os «famintos beijos», o «mimoso choro», os «afagos tão suaves», a «ira
honesta», os «risinhos alegres» que pontuam as relações amorosas entre humanos
é deusas.
Camões pode concluir, não sem uma leve ponta
de malícia:
«O que mais passam na manhã e na sesta
Que Vénus com prazeres inflamava,
Milhor é esprimentá-lo que julgá-lo;
Mas julgue-o quem não pode esprimentá-lo.»
É a festa, a orgia, o amor sensual
elevado à grandeza de prémio espiritual máximo. Para o Gama, a ligação com Thétis (e suponho que da
«confusão» de Camões, assinalada em rodapé à estrofe 85, é possível imaginar
poder tratar-se da mesma que se negara ao
Adamastor, porque este amava mal). Gama merecia esta suprema consagração, ele
para quem, como para os Argonautas da fábula, recordados por Fernando Pessoa e
por Caetano Veloso,
«Navegar é preciso, viver não é preciso»
2. 0 SIGNIFICADO DA ILHA
É altura
de Camões nos explicar o significado desta
Ilha:
ela é o prémio, «as deleitosas honras/que a vida fazem sublimada». A
imortalidade que os Antigos atribuíam aos heróis ira isso mesmo: a merecida
recompensa de quantos haviam sabido seguir o
«Caminho
da virtude, alto e fragoso,
Mas,
no fim, doce, alegre e deleitoso»
Como atingir então esta suprema honra e
plenitude?
Despertando do ócio, refreando a ambição e a
cobiça, recusando o «torpe e escuro vício da tirania», sendo justo em tempo de
paz, não dando aos grandes o que é dos pequenos, sendo valente na guerra contra
os Mouros, aconselhando bem o Rei: os que assim actuarem, terão direito aos «beijos merecidos da
Verdade» (Fernando Pessoa) e serão «nesta Ilha
de Vénus recebidos».
Tornados divinos pelas relações com as
deusas, novas delícias se preparam para os navegadores. Disso se dará conta no
Canto seguinte.
in: OS LUSÍADAS, ed Areal Editores, Organização do texto,
introdução e notas de Amélia Pinto Pais, Porto, 1994
*
A ILHA DOS AMORES
Canto IX, estr. 18 – 92
Nota facilitadora da leitura:
- Vénus prepara um prémio para os portugueses (18-21)
- Vénus vai ter com Cupido e com ele forma a “Insula Divina”
(22-50)
- A armada de V. da Gama avista a ilha (51)
- Descrição da Ilha (52-65)
- Desembarque dos portugueses (62-67)
- Perseguição e união entre as ninfas e os
navegadores(68-84)
- No palácio de Tétis (85-87)
- O significado da Ilha (88-92)
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FERNÃO MENDES PINTO E A PEREGRINAÇÃO
http://pt.wikipedia.org/wiki/Fern%C3%A3o_Mendes_Pinto
A
PEREGRINAÇÃO DE FERNÃO MENDES PINTO REVISITADA
A
SUA TEORIA MODERNA DA VIAGEM
Arnaldo Saraiva*
*
Professor catedrático da FLUP. Investigador do CITCEM – Centro
de Investigação Transdisciplinar «Cultura, Espaço e Memória».
(…)
«Mas
é bom lembrar que, nesse mesmo ano, (1614) foram publicadas em Portugal, sob o
reinado
de Filipe II, a Quarta Década da Ásia, de João de Barros, e,
sobretudo, a
Peregrinação
de Fernão Mendes Pinto.
Como
não era raro ao tempo, a Peregrinação tinha
um amplo e publicitário
subtítulo-resumo,
não garantidamente da autoria de Fernão Mendes Pinto, e
susceptível
de aguçar a curiosidade dos leitores ou dos clientes do editor lisboeta Pedro
Craesbeek,
por sinal o flamengo Peeter Van Craesbeeck, que, meia dúzia de anos depois,
Filipe
II nomearia impressor régio. Na metade superior da capa e do frontispício da
obra
podia ler-se:
Peregrinaçam
de Fernam Mendez Pinto. Em que se da conta de muytas e muyto estranhas
cousas
que vio & ouvio no reyno da China, no da Tartaria, no do Sornau, que
vulgarmente se
chama
Sião, no do Calaminhan, no de Pegù, no de Martauão,& em outros muytos
reynos & senhorios
das
partes Orientais, de que nestas nossas do Ocidente ha muyto pouca ou nenh~ua
noticia.
E
também da conta de muytos casos particulares que acontecerão assi a elle como a
outras
muytas
pessoas. E no fim dela trata brevemente de alg~uas cousas & da morte do
Santo Padre
mestre
Francisco Xavier, unica luz & resplandor daquellas partes do Oriente &
Reytor nellas
universal
da Companhia de Iesus.
De
Fernão Mendes Pinto, que nomeia duas vezes («Escrita pelo mesmo Fernão
Mendes
Pinto»), é que não se diz nada, mas dirá muito a obra. E o que esta diz não
contraria
a
imagem que se colhe dos poucos dados biográficos seguros que dele se conhecem,
a
acreditarmos
nalguns que ele próprio veiculou na mesma obra e nas suas escassas cartas:
–
que nasceu por volta de 1510 no seio de uma família pobre de Montemor-o-Velho,
a
poucos quilómetros de Coimbra, no seu tempo e durante séculos sede da
principal
universidade portuguesa;
–
que por um tio foi levado em 1521 para casa de uma nobre senhora de Lisboa,
onde,
cerca de um ano e meio depois, teve um «caso» misterioso, de que só diz que
lhe
«pôs a vida em tanto risco», que teve logo de fugir de casa;
–
que depois da fuga precipitada foi de barco em direcção a Setúbal, mas, atacado
esse
barco
por corsários franceses, foi pela primeira vez prisioneiro, durante 13 dias;
–
que serviu noutra casa nobre de Setúbal, de onde também saiu, partindo a 11 de
Março
de 1537 de Lisboa, e desembarcando na Índia (Diu) em 5 de Setembro do
mesmo
ano;
–
que andou por vários lugares orientais – Índia,Malaca, Samatra, Java,
China,Macau,
Japão,
etc. –, cumprindo diversas tarefas ou missões e passando por experiências
muito
diferenciadas (da prática de soldado e de pirata à de noviço ou irmão leigo da
Companhia
de Jesus, da extrema pobreza ao enriquecimento rápido) e às vezes
muito
difíceis ou ousadas, tendo sido «treze vezes cativo e dezassete vendido» e
regressando
em Setembro de 1558 a Lisboa, que deixara 21 anos antes;
–
que, já em Portugal, casou com mulher certamente bem mais jovem (pois ela
morreu
em 1623), que lhe deu filhos, e fixou-se na quinta do Pragal, em frente de
Lisboa,
perto de Almada, «vila» de que chegou a ser juiz, e quinta onde terá escrito
a
Peregrinação, e onde morreu com mais de 70
anos, em 8 de Julho de 1583.
Quer
isto dizer que os 226 capítulos da Peregrinação foram
compostos bem antes da
sua
publicação, póstuma de 31 anos; nos mesmos ou noutros moldes, o autor já a
projectara
no Oriente, pois, numa carta redigida em 5/12/1654, diz aos seus «irmãos» da
Companhia
de Jesus que lhes dará «alguma relação» do «discurso» da sua vida e dos seus
trabalhos.
Supõe-se que o autor a começou em 1569, quando andaria perto dos 60 anos,
e
a terminou cerca de dez anos depois, tendo-a portanto escrito já longe dos
tempos e dos
espaços
nela referenciados, e numa idade favorável à narração memorialística e
autobiográfica,
com
as virtudes e os defeitos que tal narração como regra implica: a enunciação
próxima
da oralidade (há memórias que fazem concessões ao discurso reflexivo e à
demora
descritiva, mas as memórias são mais frequentemente colecções de contos), a
fluência
e a flutuação narrativa, a invocação e o privilégio da experiência própria –
mesmo
se, como também ocorre na Peregrinação, há
recurso ao livresco – algumas falhas
ou
trocas referenciais, a fixação em cenas ou pormenores exemplares, mesmo quando
anedóticos,
a tendência para a reconstrução encarecedora, a passagem consciente ou
inconsciente
do vivido ao fictivo.
A
mistura da história e da estória (da verdade e da ficção), que geraria o tão
repetido
trocadilho
«Fernão mentes? Minto», a referência a terras e gentes estranhas para a maior
parte
dos leitores de então, mesmo que já houvesse um importante conjunto de relatos
sobre
o Oriente, mas também a verve e
a ironia, às vezes brilhando no interior de cenas
dramáticas
e de longas ou desdobradas frases, garantiram, mau grado o décalage
entre a
produção
e a publicação, o sucesso imediato e internacional da Peregrinação,
mensurável
em
edições, completas ou parciais, em antologias, em traduções, em comentários,
que nos
nossos
dias se multiplicaram, e se valem de novos suportes e de novas linguagens,
sejam
as
do teatro (por exemplo, de Helder Costa / A Barraca), as do documentário
cinematográfico
e
até da banda desenhada (José Ruy), ou as da canção, que pode ser tão popular
como a de Fausto (Por Este Rio Acima,
1982).»
(…)
in:
CEM N.º 1 / Cultura,
ESPAÇO & MEMÓRIA
«CEM/cultura, espaço & memória». Porto: CITCEM, n.º 1 (2010). http://ler.letras.up.pt/site/default.aspx?qry=id04id1349&sum=sim
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7 Mar 2013
5 Mar 2013
OS LUSÍADAS - EPISÓDIO DE INÊS DE CASTRO
CANTO III, estr. 118 -135
CRONOLOGIA
ÉPOCA DE D. PEDRO I E D. INÊS DE CASTRO
CANTO III, estr. 118 -135
CRONOLOGIA
ÉPOCA DE D. PEDRO I E D. INÊS DE CASTRO
1291 -
1357
|
Vida de D.
Afonso IV
|
1325
|
D. Afonso IV
sobe ao trono (com 34 anos) (sucede a D. Dinis)
|
1340
|
Batalha do
Salado (última tentativa moura para recuperar a Pen. Ibérica)
|
1320-1367
|
Vida de D.
Pedro
|
1320(?) -
1355
|
Vida de D.
Inês de Castro (Descendente da família real de Aragão, filha de Pedro
Fernandes de Castro, mordomo-mor de Afonso XI de Castela (genro de D. Afonso
IV)
|
1340
|
Infante D.
Pedro casa com D. Constança Manuel (2º casam; primeiro: D. Branca)
|
1344
|
D. Inês é
exilada no castelo de Albuquerque (junto à fronteira)
|
1345
|
Morte de
D. Constança Manuel ( parto de D. Fernando).
|
1346
|
D. Pedro
contraria o pai e faz regressar D. Inês. Começam a viver juntos e a ter
filhos (Moledo, Lourinhã)
|
1354
|
D. Pedro
terá casado com D. Inês (Declaração de Cantanhede, em 1360)
|
1355
|
Condenação
à morte e execução de D. Inês de Castro ( Pero Coelho, Álvaro Gonçalves e
Diogo Lopes Pacheco)
|
1357
|
Morte de
D. Afonso IV. Sobe ao trono D. Pedro I (c/ 37 anos)
|
1361
|
Papa
Inocêncio VI não reconhece casamento de D. Pedro. Este, nas Cortes de Elvas,
confirma o BENEPLÁCITO RÉGIO: documentos pontifícios só têm validade com a
aceitação do rei.
|
1360
|
Construção
dos túmulos de Alcobaça. Vingança sangrenta de D. Pedro, com execução de Pero
Coelho e Álvaro Gonçalves.
|
1362
|
Imponente
trasladação de D. Inês de Castro de Coimbra para Alcobaça.
|
1367
|
Morte de
D. Pedro I
|
o O o
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5 Mar 2013
ANÁLISE DO
EPISÓDIO DO ADAMASTOR
(Canto V, 37-60)
Um episódio
vai marcar a parte central deste canto central-episódio que encerra em si uma
súmula da luta desproporcionada entre os homens e o «Céu sereno»: trata-se do episódio belíssimo do Adamastor.
No meio de uma viagem que ia decorrendo
calmamente — «prosperamente os ventos assoprando» — uma nuvem
aparece aos marinheiros. Nuvem tremenda que «pôs nos
corações um grande medo» e que levou de imediato Vasco da
Gama a pedir a ajuda divina. Note-se, na estrofe 38, a musicalidade das aliterações
em — r — e das nasais, que
prolongam, em sugestão onomatopaica, o ruído do
mar: «Bramindo o negro mar de longe brada»
Mas, mal o
Gama invoca a Providência, uma figura tremenda se lhe apresenta: pelas
dimensões gigantescas, pelo «rosto carregado», a «barba esquálida», os «olhos
encovados», os cabelos desgrenhados, «crespos» e «cheios de terra», a «boca
negra», os «dentes amarelos». Tudo nesta horrenda figura infunde terror e,
particularmente, a cor «terrena» e a postura «medonha e má». Também o tom de
voz intimida - é «horrendo e grosso». Daí que o Gama confesse:
«Arrepiam-se as carnes e o cabelo
A mi e a
todos, só de ouvi-lo e vê-lo».
E é nesse
tom de voz que parecia «sair do mar profundo» que o Gigante se dirige aos
marinheiros, profetizando-lhes, como que em eco às palavras do Velho do
Restelo, duros castigos, por terem ousado penetrar nos «vedados
términos», nos mares que são pertença sua. Isto é, por, tal como Prometeu ou ícaro, terem sido atrevidos, ao
tentar conquistar um elemento - a Água - que não é o elemento natural dos
humanos. Os castigos profetizados são terríveis:
«Naufrágios, perdições de toda a sorte
Que o menor mal de todos seja a morte»
De entre os vários naufrágios que
profetiza, assume particular relevo o dos Sepúlvedas, uma casal apaixonado,
que, após torturas várias, ali
«Abraçados as almas
soltarão
Da fermosa e
misérrima prisão»
Mas, longe
de provocar o recuo dos navegadores, o Gigante vê-se interpelado, numa atitude de não medo, de afrontamento. Vasco da
Gama limita-se a perguntar-lhe quem é e a dizer-se «maravilhado» pelo seu gigantesco corpo.
A partir
daqui, o episódio conhece uma mudança súbita e radical; o Gigante muda de tom —
a sua voz torna-se «pesada e amara» e conta,
então, a sua história, que é uma história de amor infeliz. Apaixonado por
Thétis, ninfa que um dia vira «sair nua na praia», que considera «das águas a
Princesa», abandona a guerra em que estava empenhado com seus irmãos Gigantes,
filhos da Terra; comparece a um encontro em que, porque «é grande dos amantes a cegueira», é enganado
pela amada, por aquela, que no seu dizer era «vida deste corpo», a «branca
Thétis, única, despida».
Encontra-se subitamente abraçado, não à amada, mas a um rochedo.
E, mais
grave ainda, está constantemente rodeado por Thétis, num suplício digno de
Tântalo:
«........ e, por mais
dobradas mágoas,
Me anda Thétis
cercando destas águas.» — estr. 59
O drama do
Adamastor é, afinal, um drama de amor insatisfeito, logrado,
frustrado, porque feito de terra, de atracção erótica de tal modo forte que o
leva a abandonar a sua missão. É o drama de um «eu» enganado, recalcado, que se
revela amargamente quando convidado
a identificar-se, reconhecendo-se
dolorosamente. Por isso, demorara ele tanto a narrar o drama de amor e morte
dos dois amantes Sepúlvedas...
As suas palavras magoadas atingem o clímax
emocional na estrofe 57:
«O Ninfa, a mais
fermosa do Oceano,
Já que minha presença
não te agrada,
Que te custava ter-me neste engano,
Ou fosse monte,
nuvem, sonho, ou nada?»
Repare-se, como o fez Maria Helena de Almeida Esteves em «O Sistema Alegórico d'Os Lusíadas» (Porto Editora, 1973) na sequência
gradativa destes quatro substantivos: monte, nuvem, sonho, nada. Monte: algo de material e palpável; Nuvem: algo de material, mas impalpável; Sonho: o imaterial; Nada: o zero absoluto, a negação.
OUTRAS
OBSERVAÇÕES
Este
episódio central d'Os Lusíadas (precedem-no 36 estrofes,
seguem-se-lhe 40, neste canto central) é uma espécie de abóbada arquitectónica
do Poema, em que vêm
concentrar-se as grandes linhas da epopeia: o
real-maravilhoso (dificuldades de passagem do Cabo) + existência de Profecias
(História de Portugal) + lirismo (história de amor) — que irá ligar-se, mais tarde à narração maravilhosa da Ilha dos Amores. É também um episódio trágico, de amor e morte. Mas é,
acima de tudo, um episódio épico, em que se consolida a vitória do homem sobre
os elementos.
Todo este
episódio se organiza também em volta de contrastes:
«prosperamente os ventos
assoprando / aspecto gigantesco do Adamastor + tom de voz «horrendo e grosso» +
profecias trágicas / o Gigante que ameaça e intimida + força brutal do Gigante
+ violência
#
«mas hüa nuvem» pequenez dos homens / voz «pesada e amara» / história de amor / o Gigante que ama e chora /
fragilidade da Ninfa, suavidade amorosa
Ainda segundo Maria Helena de Almeida Esteves,
«Aqui teríamos materializada uma das grandes forças que se opõem à
grandeza do Homem, a força corrosiva, gigantesca, desordenada, da natureza
material, da «carne», enfim (....) A figura do Adamastor
bem se confaz a representação da miséria da carne,
na preocupação final e egoísta com um íntimo
problema pessoal».
in:
OS LUSÍADAS, Luís de Camões
Org. do texto, introd. e notas de Amélia Pinto Pais
Areal Editores, 1994
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27 Fev 2013
Do livro:OS LUSÍADAS. Luís de Camões
Ed. organizada por António José Saraiva, Livraria Figueirinhas,
3ª ed, Lisboa, 2006
Cada estrofe tem ao lado um pequeno texto que explica o seu conteúdo:
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20 Fev 2013
A praia das
lágrimas
(Canto
IV, estrofes 87-93)
As
despedidas de Belém são um quadro em que a pluralidade de sentimentos
familiares e humanos estão expressos, em todos os seus sonhos e temores. São os
homens, as mulheres, as mães, as esposas e as irmãs com a «desesperação e frio
medo / de já nos não tornar a ver tão cedo» (4,89): é uma linguagem em que a
função emotiva está profundamente realizada.
Era a mãe
que se despedia do filho que via
caminhar para a morte, a ser de «pexes mantimento», que possivelmente já não
virá a ser o esperado «emparo» de uma «cansada já velhice» (4,90). Eram as
esposas que choravam os maridos, que em interrogações insistentes e
angustiadas, perguntavam e se queixavam por que «nosso amor, nosso vão
contentamento, / quereis que com as velas leve o vento?» (4,91).
«A branca areia as lágrimas banhavam, / que
em multidão com elas se igualavam» (4,92). As lágrimas eram tão abundantes como
as areias da praia. A
hipérbole e a comparação implícita, através do conhecimento sensível,
apreensível pelos sentidos, das realidades «areia» e «lágrimas», aprofundam
emocionalmente o conhecimento da ideia expressa. Veja-se uma síntese dos sentimentos envolvidos:
Os homens com
suspiros que arrancavam;
Mães, esposas, irmãs,
que o temeroso
Amor mais desconfia,
acrecentavam
A desesperação e frio
medo
De já nos não tornar
a ver tão cedo.
(4,89)
Repare-se agora num excerto de João
de Barros que certamente o poeta terá lido e que mostra serem sentimentos
generalizados, aqueles que Camões expressa na sua epopeia:
«...
No qual acto, foi tanta a lágrima de todos, que neste dia tomou aquela praia
posse das muitas que nela se derramaram na partida das armadas, que cada ano
vão a estas partes que Vasco da Gama ia descobrir, de onde com razão lhe
podemos chamar praia de lágrimas pera os que vão, e terra de prazer aos que
vêm. E quando veio ao desfraldar das velas, que os mareantes, segundo o seu
uso, deram aquele alegre princípio de caminho, dizendo — Boa Viagem! —,
tôdolos que estavam postos na vista deles com uma piedosa humanidade dobraram
estas lágrimas e começaram de os encomendar a Deus e lançar juízos segundo o
que cada um sentia da partida.
Os navegantes, dado
que com o fervor da obra e alvoroço daquela empresa embarcaram contentes,
também passado o tempo do desferir das velas, vendo ficar em terra seus
parentes e amigos e lembrando-lhes que sua viagem estava posta em esperança e
não em tempo certo nem lugar sabido, assi os acompanharam em lágrimas como em o
pensamento das cousas, que em tão novos casos se representaram na memória dos
homens. Assi que uns olhando pera terra e outros pera o mar e juntamente todos
ocupados em lágrimas e pensamento daquela viagem, tanto estiveram prontos
nisto, té que os navios se alargaram do porto.» (Década, 1, Livro IV)
PARA UMA LEITURA DE «OS LUSÍADAS» DE LUÍS DE CAMÕES, Silvério Benedito, Editorial Presença, Lisboa, 1997
PARA UMA LEITURA DE «OS LUSÍADAS» DE LUÍS DE CAMÕES, Silvério Benedito, Editorial Presença, Lisboa, 1997
*
A ultrapassagem da condição
humana e seu castigo
no episódio do «Velho do Restelo»
CANTO IV, (estrofes 94-104)
e a sugestão do Norte de África (IV,100-101)
No episódio
do «Velho do Restelo», na despedida, o que está fundamentalmente em causa é a
tragédia do homem, por ele querer exceder sempre os limites impostos pela
natureza e pelos deuses à sua condição humana, nos pensamentos, desejos e
acções.
A cobiça, o
desejo da glória e da fama, o culto do esforço e valentia levam o homem a todos
os extremos; seguir-se-ão os sofrimentos das agruras individuais, no mar e em
terra, ruína das famílias e dum povo:
Buscas o incerto e incógnito perigo,
Por que a fama te exalte e te lisonje,
Chamando-te senhor, com larga cópia,
Da índia, Pérsia, Arábia e de Etiópia!
(4,101)
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!
(4,95)
Sagaz consumidora conhecida
De fazendas, de reinos e de impérios!
(4,96)
«Oh! maldito o primeiro que no mundo
Nas ondas vela pôs em seco lenho!
(4,102)
Quanto melhor nos fora, Prometeu,
E quanto pera o mundo menos dano,
(4,103).
Referem-se os grandes mitos clássicos ainda hoje sugestivos: o primeiro homem que
lançou um barco ao mar; Prometeu que roubou o fogo aos deuses e o misturou ao
coração humano (4,103); o arquitecto Dédalo com o filho ícaro, o primeiro a
tentar andar pelo ar, fora da terra, seu elemento natural para marcha (4,104).
Em
oposição à crítica feita à desmesura da ambição humana, o «Velho do Restelo»
propõe que as viagens se fiquem pelo Norte de Africa (4,100-101). Surge então
quase que um enunciar das causas por que os Portugueses se lançaram nas viagens
dos Descobrimentos: se desejas combater pela religião de Cristo não tens aí
Mouros numerosos com quem combater? Se desejas conquistar territórios e obter
riquezas não têm eles «terras e riqueza» mais que suficientes? Se queres
alcançar glória pelos feitos de guerra, não são eles valorosos no combate?
Aqui estão sintetizadas três causas dos
Descobrimentos: as do Poder e dos Nobres que querem tornar-se conhecidos por vitórias militares; as do
Poder e da Igreja que querem envolver-se na expansão da fé cristã; as do Poder e
seus interesses político-econômicos que desejavam conquistar territórios e
riquezas.
Aprecie-se a força expressiva
manifesta pelas interrogações, pela fala em discurso directo, pelo paralelismo
anafórico ( repetições…)
PARA UMA LEITURA DE «OS LUSÍADAS» DE LUÍS DE CAMÕES, Silvério Benedito, Editorial Presença, Lisboa, 1997
PARA UMA LEITURA DE «OS LUSÍADAS» DE LUÍS DE CAMÕES, Silvério Benedito, Editorial Presença, Lisboa, 1997
[ SIGNIFICADO IDEOLÓGICO DO VELHO DO RESTELO ]
«Esta vitória dos homens sobre os deuses é uma ideia adequada ao
impulso do Renascimento, que assistiu a um importante avanço no domínio do planeta
por parte do homem. É, aliás, também um mais vago ideal antigo, simbolizado
pelo mito de Prometeu, o herói que roubou o lume divino para erguer os homens
ao nível dos deuses. Camões realça-o, contrastando a heroicidade revolucionária
com a sensatez do Velho do Restelo, que exprime o ponto de vista oposto,
segundo lugares-comuns dos coros trágicos clássicos: o Velho alude ao mito de
ícaro, castigado pela ambição de querer elevar-se nos ares, ao mito de Prometeu, e o que é mais
(e seria extremamente audacioso se não fosse feito por forma tão hábil),
aproxima tudo isto, aproxima a própria viagem de Vasco da Gama, tema central da
epopeia, da desobediência de Adão. A viagem do Gama, os Descobrimentos em
geral aparecem assim, num relance, como renovação do Pecado Original: o da
autodeterminação humana. Este orgulho humanista, de que a seguir encontraremos
outros aspectos,
verifica-se sobretudo nos lineamentos gerais do poema: repare-se que o humano Gama alcança, com a posse de
Tétis, símbolo do domínio dos mares, aquilo que fora negado a Adamastor, um
titã semidivino.
Resumindo,
Camões pouco tem que ver com a ideologia burguesa então em avanço na Europa,
com o comércio transoceânico encarado como tal; Os Lusíadas exaltam uma
expansão que, na sua fase decisiva, foi conduzida em moldes monárquicos a favor
da classe então dominante, e não pela concorrência capitalista privada, à
maneira da Holanda. No entanto, a aristocracia que o Épico se propõe
imortalizar tem a consciência de proceder a uma revolução no mundo, revolução
de que o poeta não vê o resultado social, embora lhe atribua um significado
político, religioso, científico e estético, que já basta para se orgulhar como
indivíduo integrado numa comunidade nacional. Talvez possa, por isso, falar-se de uma tensão entre dois sentimentos
opostos: o da dignidade do Homem, quebrantador impenitente de todos os vedados
términos, colectivamente candidato à divinização, e o da sua insignificância
de bicho da terra tão pequeno. O primeiro destes sentimentos alimenta-se da maravilha de todo um mundo
geográfico recém--descoberto e de toda a funda apetência carnal camoniana; o
segundo, daquela «austera, apagada e vil tristeza» em que o poeta asfixia,
daquela decadência nacional cuja lúcida previsão se atribui ao Velho do
Restelo, e da rígida hierarquia do cosmos ptolemaico, cujas esferas o Homem
não conseguiria nunca atravessar sem se dividir em corpo e alma, e sem se
render à divindade.»
HISTÓRIA DA
LITERATURA PORTUGUESA, A.J.Saraiva e Óscar Lopes, Porto Editora, 16ª ed, s/d
*
http://oinsurgente.blogspot.pt/2005/03/em-defesa-do-velho-do-restelo.html
Em defesa do "Velho do Restelo"
Lá vos digo que ha fadigas,
Tantas mortes, tantas brigas,
E p'rigos descompassados,
Que assi vimos destroçados.
Pelados como formigas."
A mitologia oficial dos heróis dos
Descobrimentos é logo aqui posta a nu.
Também Sá de Miranda (1481-1558), exprimiu semelhantes dúvidas sobre as
vantagens de manter as possessões no Oriente, na famosa Carta a "António
Pereira, senhor do Basto, quando se partiu para a Côrte co a casa
tôda"(Edição Sá da Costa):
Não me temo de Castela,
donde inda guerra não soa;
mas temo-me de Lisboa,
que, ao cheiro desta canela,
o Reino nos despovoa.
Sá de Miranda, humanista, homem conhecedor da
Europa e do que se passava no seu tempo, sentia o Oriente como causa de
decadência do Reino.
Quando Camões escreveu os seus Lusíadas, havia já uma grande contestação ao
modo como D. João III tinha dado prioridade à Índia, em comparação com o
abandono de algumas das possessões africanas. lembremo-nos que, em parte, as
posições do Velho do Restelo seriam as posições do próprio Camões, pois este
insta D. Sebastião, no início e no fim dos Lusíadas, a fazer guerra em África
contra os mouros (um resquício ainda do espírito de Cruzada e dos ideais de
Cavalaria), aliás também partilhados, por exemplo, por Gil Vicente, no final do
Auto da Barca do Inferno (os Cavaleiros mortos em África que vão directos para
a Barca da Glória).
Em conclusão, o Velho do Restelo não representa uma opinião reaccionária,
contra o progresso, mas apenas, uma opinião, bastante ancorada na sociedade
portuguesa quinhentista, que duvidava, por diversos motivos, das vantagens da
aventura oriental, das conquistas no Índico, chegando-lhe a atribuir as causas
da decadência de Portugal. No eloquente discurso (cheio de processos retóricos
que remontam a Homero) do Velho do Restelo, misturam-se as ideias de um
Humanismo antibelicista, abrindo excepção a este antibelicismo à guerra com os
Mouros.
Por isso não chamem Velho do Restelo àqueles que se opõe ao progresso ou que
são, pura e simplesmente, refractários ao progresso, pois do que se trata aqui
é de uma diferente avaliação do deve-haver da aventura imperial na Índia.
Post-scriptum. Esta entrada foi sugerida pela contínua audição, em diferentes
circunstâncias, da expressão "Velho do Restelo" no sentido que eu
contesto aqui.
Post-scriptum 2. O que eu digo aqui nem sequer prima pela originalidade, pois
os programas do 10º ano (não estou a falar do actual), já pediam aos alunos
para relacionar o Episódio do Velho do Restelo com o Auto da Índia. Todavia, o
problema é que a expressão cristalizou o seu sentido. Não deve haver na literatura portuguesa
personagem mais difamada. Por tudo e por nada chama-se a alguém "Velho do
Restelo": "és um velho do Restelo", "só os velhos do
Restelo é que pensam assim", "os velhos do Restelo do costume" e
por aí fora....
Ou seja, o Velho do Restelo surge como metáfora, comparação, símbolo, epíteto
(eu sei lá..., escolham mais algumas figuras de estilo) daqueles que,
supostamente, são "botas-de-elástico", "retrógados",
"inimigos do progressos", etc..., etc..., etc...
No entanto, esta reputação é de todo imerecida e - não tendo eu feito qualquer
investigação sobre o assunto e, por isso, não sabendo da origem da expressão
com o sentido que ela tem actualmente -, francamente, só pode ser utilizada por
quem não leu com atenção o chamado "Episódio do Velho do Restelo",
Canto IV, 94-104, dos Lusíadas, ou por quem deu conta de idênticas dúvidas
sobre a chamada "Empresa da Índias" como, por exemplo, Gil Vicente ou
Sá de Miranda.
Qual a justificação desta minha afirmação? O próprio texto dos Lusíadas, e não
entrando aqui em considerando quanto a função e aos antecedentes deste tipo de
episódio na história da literatura desde a Antiguidade, em que o Velho do
Restelo é apresentado como sendo alguém muito digno : "Mas um velho de
aspeito venerando," (Est. 94, v. 1) e "C'um saber só de experiências
feito,/Tais palavras tirou do experto peito:" (Est. 94, vv. 7-8).
A seguir, o discurso do Velho do Restelo é uma reflexão filosófica sobre a
empresa das Índias e que ele condena não por qualquer alergia ao progresso, mas
por a considerar apenas comandade pela cobiça e que o custo de tal operação
será muito mais elevado do que as suas vantagens, devido às consequências
nefastas que terá na sociedade portuguesa.
Também rejeita o fundamento de "dilatar a Fé e o Império", pois se
queriam combater o Infiel (os muçulmanos) tinham o Norte de África para o
fazer, onde poderiam obter a fama, glória e riquezas que buscavam no Oriente
longínquo.
O Velho do Restelo mais do que representar uma facção retrógada, alérgica ao
progresso, representa uma parte da sociedade portuguesa, da alta nobreza, que
dava, por razões ideológicas (e religiosas), uma importância maior ao nossos
domínios no Norte de África, pois era aí que os filhos da alta nobreza
normalmente terçavam pela primeira vez as armas.
Por outro lado, a empresa das Índias foi muito mais uma acção conduzida pela
pequena e média nobreza que, nunca podendo alcandorar-se aos altos cargos no
Norte de África, viu nesta empresa um meio de poder singrar na vida.
Mas, como eu disse mais acima, com o "Velho do Restelo" Camões deu
voz nos Lusíadas (e lembremo-nos que os Lusíadas foram compostos dezenas de
anos depois da Viagem do Gama), a esta facção contemporânea da viagem que
estava contra a sua relização. Mas, já antes de Camões, Gil Vicente e Sá de
Miranda tinham expressado as suas dúvidas sobre a nossa presença no Oriente.
No caso de Gil Vicente, basta reler o "Auto da Índia", de 1509
note-se, Gil Vicente critica o impacto das expedições ao Oriente na sociedade,
da infidelidade feminica provocada pela ausência dos maridos, da cobiça do
portugueses na Índia, sobretudo dos capitães, e da ilusão que criava nos
soldados que regressavam de mão a abanar(vv.493-497):
por Rui Oliveira @ 3/17/2005 02:26:00 PM
o O o
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . .
7 Fev 2013
UMA INTRODUÇÃO AOS LUSÍADAS...
«Ressuscitar
a epopeia homérica na época do Renascimento — quando o espírito abstractor de
um mundo já muito mercantil pouco se prestava à admiração de heróis
semidivinos; e quando a mitologia clássica, característica do género, era uma
expressão irrecuperável, salvo para um certo naturalismo de insinuação
estética — constituía um nobilitante desafio ao engenho dos poetas.
Os poemas épicos do Renascimento ou são romances cavaleirescos versificados,
como o Orlando Enamorado de Boiardo e o Orlando Furioso de Ariosto, ou procuram reflorir, com grande margem de alegorias já sem a
força dantesca, a grandiosidade da história teológica cristã, como a Jerusalém Libertada de Torquato Tasso. Na verdade, desde o século
XII formas narrativas modernas (o conto, a novela e sobretudo o romance)
sobrepunham--se ao género épico. A narração oral antiga (para audiência de
praças ou festins) de um mundo animado e maravilhoso, onde cada herói vai
talhando a sua própria lei, por entre as intrigas de uma outra humanidade superior,
a dos deuses, dá lugar, em geral, à leitura (muda, ou em pequenos grupos) de
enredos em cenários bem mais limitados, num mundo de coisas inertes, desprovido
de qualquer maravilhoso capaz de enquadrar as aspirações de um certo
individualismo (que afinal se reajusta transferindo-se de condições gentílicas para condições cada
vez mais burguesas). Criações eruditas e artificiosas, fora de tempo, os
poemas renascentistas em que se procurou ressuscitar a epopeia clássica dentro
dos cânones homéricos e virgilianos malograram-se, como a Franciade de Ronsard, cujo canto I e único saiu no mesmo ano que Os
Lusíadas.
Foi precisamente o desiderato da ressurreição da epopeia clássica segundo
o padrão homérico que Camões procurou satisfazer, levando a cabo um objectivo
característico dos escritores humanistas. O ambiente marítimo do assunto
central aponta para a filiação do poema sobretudo na linhagem da Odisseia, da primeira metade da Eneida e dos poemas sobre os Argonautas escritos pelo grego Apolônio de Rodes e
pelo romano Valério Flaco. E de facto alguns investigadores salientam algum
débito de Camões ao poema Argonáutica (Feitos
dos Argonautas) deste último.
À ideia da epopeia pátria andava associada certa ideologia nascida da
expansão, e cujas raízes encontrámos já em Zurara. Segundo essa ideologia, os
Portugueses cumpriam uma missão providencial, dilatando tanto o Império como a
Fé: eram os Cruzados por excelência. As lutas internas entre Cristãos
(Católicos e Reformados, Casa de França e Casa de Áustria), coincidindo com o
avanço turco nos Balcãs, que chegara até Viena (1529) dois anos depois do saque
de Roma por tropas luteranas do católico Carlos V, vinham tornar mais actual
esta missão divina atribuída ao Reino Lusitano, exemplo que envergonharia o
resto da Cristandade.
Intenções inerentes à forma d'Os Lusíadas
O tema escolhido por Camões para
o seu poema foi toda a história de Portugal, como se vê pelo próprio título: Os Lusíadas. Esta palavra
(neologismo inventado por André de Resende) designa os Portugueses, que a erudição
humanística assim nobilitava como descendentes de Luso, filho ou companheiro de Baco. O próprio autor explicita o seu
propósito, ao afirmar que canta «o peito ilustre lusitano».
Para acção nodal, escolheu Camões
a viagem de Vasco da Gama, uma rota marítima como as de Ulisses e Eneias. Havia
dela relatos pormenorizados — o do roteiro de Álvaro Velho, o de Castanheda na
História do Descobrimento e
Conquista da índia, o de João de
Barros nas Décadas, além das
versões orais que certamente corriam. Era a propósito da viagem do Gama que
Camões pretendia evocar toda a história de Portugal, sendo o próprio Gama e um
dos seus companheiros aproveitados (à imitação dos poemas clássicos) para
narradores principais da história.
Mas a viagem do Gama não bastava
a Camões para estruturar uma epopeia clássica. Uma obra de arte narrativa
deste tipo exige uma unidade de acção, isto é, a
convergência dos acontecimentos para uma situação crucial, e seu desenlace; por
outras palavras: um enredo. Na viagem do Gama mal descobriu Camões um enredo,
mas sobretudo uma sequência cronológica de acontecimentos. Mais ainda: num
poema narrativo não podem dispensar--se caracteres palpitantes e paixões, que
movem a acção; e entre os protagonistas da viagem também Camões não viu
caracteres ou paradigmas flagrantes, como são os dos poemas homéricos, apesar
da sua proporção
sobre-humana. Os heróis de Camões raramente parecem de
carne; faltam-lhes carácter e
paixões. São, em geral, estátuas processionais, solenes e impassíveis. Na
resolução desta dificuldade de dar unidade dinâmica e caracteres ao seu poema,
o Poeta encontrou a seu favor certas praxes greco-romanas do género, que lhe
forneceram protótipos de uma intriga entre deuses apaixonados. O dinamismo
aparente de Os Lusíadas não reside
tanto nas dificuldades e peripécias da viagem do Gama como na rivalidade que
opõe Vénus, protectora dos Portugueses, a Baco, inimigo deles. Desta intriga
resultam os obstáculos que a esquadra encontra na costa oriental africana, a
tempestade no Índico
(aliás fictícia, desconhecida dos cronistas, ou antes, deslocada do princípio
para o fim da viagem) e as intrigas que indispõem contra os Portugueses o
Samorim. Baco é quem, disfarçado, prepara, onde pode, mau ambiente aos Lusos,
quem em sonhos lança a desconfiança contra os recém-vindos, quem leva os deuses
marítimos a desencadear a tempestade. E Vénus, por outro lado, quem intercede
por eles junto de Júpiter, quem se serve das ninfas para relaxar o esforço dos
deuses marítimos que agitam as ondas, etc. Os deuses desejam, palpitam, lutam, têm
nervos, em contraste com os homens históricos, que (à excepção de Veloso e dos
amorosos) parecem de bronze ou de mármore. Tudo se passa como se os deuses
desencadeassem ainda todas as forças, físicas ou psíquicas, que movimentam o
mundo sublunar — ou fossem eles essas mesmas forças ignotas, mas, ao mesmo
tempo, e com certa ironia, neles se traduzissem os mais secretos móbeis humanos.
É certo que, por sob a sua história imaginária de inspiração clássica, o
poeta procura ressalvar a possibilidade de uma interpretação positiva: os
contactos de Baco e Mercúrio com os homens passam-se em sonho ou em encarnações humanas. Os
próprios deuses poderiam ser forças angélicas, demoníacas ou astrológicas,
muito aceites no tempo e pelo próprio Camões, numa palavra, «causas segundas»,
intermediárias entre a causa primordial e os acontecimentos visíveis. Mas o
facto é que todo o peso da sugestão poética vai cair no maravilhoso. Com o
desfecho do poema, a ficção mitológica dissolve-se. Na Ilha dos Amores as deusas marinhas concedem aos
nautas, então de regresso, todas as volúpias, e com elas a imortalidade; o Gama
substitui Neptuno no amor de Tétis, senhora das águas. E neste ponto a mesma
Tétis, declarando que os deuses servem só para fazer poemas, esclarece que tal
mitologia é meramente alegórica. Sem ela, contudo, o poema perderia muito da
sua palpitação e encanto.
Formalmente, a mitologia desempenha portanto uma função central n'Os Lusíadas: a de lhe dar uma unidade de acção e um enredo dinâmico. Mas Camões
procurou tirar dela um partido concepcional e estético mais original, como já
veremos.
O que anima esteticamente Os Lusíadas não são, pois, as qualidades propriamente épicas, a identificação
afectiva do leitor com heróis. São, em primeira evidência, as qualidades
textuais com que recria uma visão luminosa da vida: o verso oratório em que se
vazam os discursos do Velho do Restelo, de Nun’Álvares, do Gama, da própria Inês de Castro; as fórmulas cantantes
e densas que se fixaram na tradição nacional letrada; a evocação majestosa dos
esplendores do Olimpo, a da beleza feminina (a «bela forma humana», que as
redondilhas Sobre os rios acabarão por esconjurar); a nitidez e precisão da frase, por vezes
enredada com transposições e liberdades sintácticas modeladas sobre o latim e com
a sobrecarga de alusões mitológicas; a prodigiosa arte do ritmo, que já
tivemos ocasião de apreciar na obra lírica, e que aqui se adapta, ora à
movimentação, ao pandemônio das batalhas (classicamente sugerido por
formas onomatopeicas), ora à lentidão tediosa das calmarias, ora ao paraíso
luxurioso da ilha de Vénus, à majestade olímpica, ao pitoresco marítimo ou
etnográfico, às situações mais picantes.»
HISTÓRIA DA LITERATURA PORTUGUESA, António José Saraiva e Óscar Lopes, 16ª edição, Porto Editora
* * *
PORTUGAL e CAMÕES
HISTÓRIA
|
LUÍS DE CAMÕES
|
1415 –
Conquista de Ceuta
|
|
1486 –
Bartolomeu Dias dobra o Cabo das Tormentas / Boa Esperança
|
|
1492 –
Cristóvão Colombo chega à América
|
|
1494 –
Tratado de Tordesilhas
|
|
1497/98 –
Vasco da Gama chega à India por mar
|
|
1500 –
descoberta oficial do Brasil por Pedro A. Cabral
|
|
1507 –
1515 : Afonso de Albuquerque estabelece as bases do Império português no
Oriente
|
1524(?)
nasce Luís V. de Camões
|
1530-35:
início da colonização do Brasil
|
|
1540 –
Inquisição; primeiros autos de fé.
|
Terá
estudado em Coimbra…
|
1537 - 1558 – Fernão Mendes Pinto no Oriente, base do seu relato "PEREGRINAÇÃO"
|
1549/51:
combate em Ceuta e perde o olho direito
|
1568-78:
reinado de D. Sebastião
1578: Batalha de Alcácer-Quibir, morte de D. Sebastião
1578-80: Reinado do
Cardeal D. Henrique
|
1552 –
Briga e prisão
1553 – vai
para a Índia; aventuras, naufrágio na foz do Mecon(Cambodja)
1569 - está
em Moçambique e embarca para Lisboa com dinheiro de amigos, onde chega em
1570
|
1572 – primeira edição de OS
LUSÍADAS
|
|
1580 –
Filipe II de Espanha torna-se rei de Portugal
|
1580 (10
Junho) – morre e é sepultado na Igreja do Convento de Sant’Ana
|
1880 –
Restos mortais (hipotéticos...) trasladados para o Mosteiro dos Jerónimos em Lisboa
|
....................................................................................
TEXTOS DE APOIO À SESSÃO DE 7 DE FEVEREIRO
CIRCUNSTÂNCIAS
EM QUE FORAM ESCRITOS E PUBLICADOS OS LUSÍADAS.
Existe um
retrato da época que nos mostra Camões sentado a uma mesa, diante do manuscrito d'Os Lusíadas. A cena passa-se em Goa, dentro da prisão. Pelas grades vê-se, de cima, o mar e uma nau. Nas paredes há
estantes com grandes volumes em capas de pergaminho. Em cima do catre, ao
fundo, rolos de mapas. O Poeta é um homem desempenado, na força da vida, de
cabelo e barba aloirados; olha em frente com o único olho, o esquerdo, bem
aberto; um braço apoiado na mesa, com a mão segurando ostensivamente um
miserável prato de comida; o outro braço levantado para mostrar na palma da mão
uma mancha preta que não foi possível identificar. Veste um gibão escuro e
amarrotado, com rasgões. A mesa, como o resto do mobiliário, é vermelha. Em
cima, bem arrumadas, estão as folhas do manuscrito e um tinteiro com duas penas
de pato. No chão, de lajes claras, o jarro da água e os grilhões abertos. Em
primeiro plano, debaixo dos pés de Camões e já fora do cárcere, dois vultos
curvados, que parecem espreitar para dentro. Alguém os cobriu com uma mancha de
tinta, para os tornar irreconhecíveis: eram, talvez, os autores da desgraça do
Poeta. A pintura, que tem a data de 1556, pertenceu ao próprio Camões. O pintor
era um amador; ignorava as regras da perspectiva. Um amigo de Camões, quem sabe
se ele próprio: a posição do rosto sugere um auto-retrato. De qualquer modo é uma
representação simbólica e muito teatral, em que o Poeta se mostra como gostava
que o vissem: pobre, perseguido, mas de cabeça alta, superior à desgraça e aos perseguidores, em atitude de desafio. Os livros
assinalam a sua condição aristocrática de intelectual.
Este quadro
podia servir de ilustração às estrofes do Canto VII em que ele se queixa das
adversidades que acompanharam a composição d'Os Lusíadas e dos
fidalgos ilustres que em vez de o venerarem e recompensarem o perseguiam:
E ainda, Ninfas minhas, não
bastava
Que tamanhas misérias me
cercassem,
Senão que aqueles que eu cantando
andava
Tal prémio de meus versos me
tornassem:
A troco dos descansos que
esperava,
Das capelas de louro que me
honrassem,
Trabalhos nunca usados me
inventaram
Com que em tão duro estado me
deitaram! (VII, 81)
O mais antigo biógrafo de Camões, Manuel
Severim de Faria, diz que ele foi mandado prender em Goa em 1556 por um
governador da índia, sendo em seguida desterrado para a China. Camões refere-se n'Os Lusíadas ao "injusto mando" de que resultou
o naufrágio na foz do Mékong, em que conseguiu salvar-se a nado com o manuscrito do poema (X, 128).
Nessa época o rei D. Sebastião era um menino para quem o povo olhava
com uma esperança ansiosa, visto que não havia outro herdeiro legítimo da Coroa
portuguesa. Todo o mundo se preocupava com a saúde e educação desta garantia
frágil da independência nacional. É como menino ainda, e como dom de Deus, que
Camões o apresenta na dedicatória. Mas a redacção d'Os Lusíadas prolongou-se durante mais de uma dúzia de anos. No final
do poema o Autor refere-se a D. Sebastião como rei em exercício («no
régio sólio posto», X, 146), e já no canto VII, est. 85 se diz que ele é
"novo no ofício" e que disso abusam os seus conselheiros. D.
Sebastião começara a governar, aos 14 anos, em 1568. E há ainda no poema
referências muito claras às intrigas políticas na corte portuguesa a partir de
1569, especialmente ao poder exercido pelos Jesuítas, nessa época muito
criticados pela ambição do mando e do dinheiro:
Vê que aqueles que devem à
pobreza
Amor divino, e ao povo caridade,
Amam somente mandos e riqueza,
simulando justiça e integridade.
(IX, 28)
OS LUSÍADAS, ed. de Hernâni Cidade,
Livraria Figueirinhas, 3ª edição, 2006
* * *
RENASCIMENTO, HUMANISMO, CLASSICISMO
O século XVI é marcado, a nível europeu, pela
desintegração do sistema feudal, acompanhada por um grande surto de
desenvolvimento económico: crescimento da produção artesanal e agrícola, desenvolvimento do comércio, primeiras manufacturas. Este desenvolvimento económico é favorecido também pelos Descobrimentos
portugueses e espanhóis, com a consequente ocupação e saque de vastíssimos territórios
na África, Ásia e Américas, zonas produtoras de matérias-primas muito
procuradas.
Tal desenvolvimento económico vai criar novas necessidades, tendentes ao reforço
do modo de vida e da ideologia burguesa. Eram necessários novos métodos de
investigação científica, com base na observação e na experimentação — o que implicava a ruptura com o pensamento escolástico, assente na autoridade dos mestres e na
especulação teórica.
A invenção da imprensa, em meados do século XV, por Guttenberg, vem permitir a difusão mais ampla das ideias e das notícias e o acesso de um número cada vez
maior de pessoas ao saber e à cultura. 0
contacto, possível agora graças aos Descobrimentos, com
novas terras, usos, faunas,
floras, vem ajudar ao desfazer de concepções medievais. Os avanços da técnica — construção naval, invenção de instrumentos náuticos, extracção mineira — começam a mostrar as possibilidades maiores
de domínio da natureza.
Desenvolve-se igualmente, no domínio
religioso, uma contestação cada vez maior da Igreja de Roma. Erasmo e depois Lutero vão pôr em causa a prática de Roma e vão
preconizar a consulta e crítica
directa dos textos sagrados. O
luteranismo surge, assim, como instrumento de libertação das
consciências.
Galileu, esse,
condenado pela Igreja pela heresia de ter ousado afirmar que a Terra anda à
volta do Sol (na sequência de Copérnico) lança as
bases da ciência experimental.
Começam a surgir novos ideários políticos: Thomas More sugere na sua «Utopia» uma sociedade sem classes, em que todos
produziriam e a riqueza seria distribuída
equitativamente, ninguém teria nada e todos teriam o necessário,
visto a propriedade da terra ser
colectiva.
Maquiavel, em «O Príncipe»,defende a existência de um estado nacional
centralizado e secular; para tal, deveriam destruir-se os senhores feudais e o
poder dos clérigos e os privilégios das classes favorecidas.
Esterenascimento» do espírito crítico é acompanhado por um cada
vez maior interesse pela cultura greco-latina, cujos «produtos» se vinham
conhecendo, graças à pesquisa feita pelos «humanistas».
Aos poucos, a cultura humanista vai-se
consubstanciando num conjunto de valores e ideias que dá pelo nome de humanismo:
Sendo o homem considerado o pólo de
referência, «medida de todas as coisas» é possível:
—
o combate à Escolástica como filosofia castradora do desenvolvimento
do espírito crítico;
—
o preconizar de uma educação integral (corpo, mente, espírito) do homem, que
desenvolva o raciocínio e não a memória (Rabelais, Montaigne, Coménio);
—
o defender do regresso à pureza evangélica e da livre crítica dos
textos sagrados (Erasmo,
Lutero);
—
o preconizar a escolha dos dirigentes segundo o seu mérito e não segundo o seu
sangue; o condenar a guerra e a intolerância religiosa;
—
em matéria estética, o defender a latinização das diversas literaturas
nacionais, fazendo renascer os modelos artísticos e literários da Antiguidade, (Classicismo).
As teorias artísticas do Renascimento (classicismo) são as seguintes:
— carácter mimético da arte:
a verdadeira arte tem por base a imitação da natureza e dos modelos
greco-latinos;
— equilíbrio: a verdadeira arte é equilibrada — um conteúdo rico numa forma perfeita;
—
o herói deve ser capaz de auto-domínio, equilíbrio: «Je suis maître de moi comme de l'univers» — «sou senhor de mim como do universo» (Corneille);
—
a arte tem carácter universal, sendo os seus princípios válidos para todos
os tempos e todos os povos.
Em suma: o movimento cultural do Renascimento
representa uma viragem decisiva em relação às concepções medievais;
substitui uma concepção antropocêntrica (o Homem, centro do
universo) à concepção teocêntrica (Deus, centro do universo)
medieval. Para o homem devem convergir:
8 religião: entendida
como ligação directa e pessoal do crente com Deus, sem intermédio de qualquer
Igreja;
a organização da vida social: ao ascetismo
medieval substitui-se a vida
mundana, as festas, os luxos palacianos;
as concepções pedagógicas;
as concepções politicas: secularização
do poder, justiça social, recusa da guerra...
as concepções estéticas (classicismo).
Neste domínio da arte e das letras, vai-se assistir à construção de palácios, praças,
fontes, parques, para
bem-estar do homem ( a Idade Média construirá sobretudo catedrais, para
Deus, e fortalezas); o nu e o corpo do homem ressurgem na pintura e na
escultura, substituindo as figuras dos santos — como sucede, por exemplo, com o
grande Miguel Ângelo; com o gosto pelo corpo
redescoberto, que a Idade Média condenara como sede do pecado e do mal, surge o
erotismo; a epopeia do homem faz-se, na literatura, depois de um longo período em
que os grandes temas eram de carácter religioso e alegórico; ao canto
gregoriano
substitui-se a música profana, de palácio.
0 Renascimento marca, efectivamente, o renascer da confiança
no Homem como sujeito da História e do progresso. O «Paraíso
Perdido» será recuperado pelos homens, mas neste mundo, na Terra, e não
numa vaga «Jerusalém Celeste».
OS LUSÍADAS, Organ., introd. e notas
de Amélia Pinto Pais, Areal editores, Maia, 1994
* * *
LUÍS DE CAMÕES E OS LUSÍADAS
Edição organizada por António José Saraiva; Livraria Figueirinhas, 3ª edição, Lisboa, 2006. | Introdução de António J. Saraiva, de 44 páginas, com um breve estudo sobre esta obra. No final, um extenso VOCABULÁRIO com "palavras e construções desusadas, nomes históricos, geográficos e mitológicos". No corpo do livro, o texto do poema é acompanhado de pequenos textos explicativos que acompanham cada uma das estrofes.
TEXTO DE APRESENTAÇÃO
(Clicar no texto para ver em separado)
Texto inicial de Frederico Lourenço:
«VER HOMERO, LER O MUNDO
Amanhã, dia
13 de Maio de 2004, estreia nos cinemas de Portugal uma super-produção
americana que terá custado à indústria de Hollywood a quantia aterradora de 200
milhões de dólares. O filme a que me refiro chama-se Tróia, foi
realizado por Wolfgang Petersen e baseia-se, pelo que me foi dado perceber da publicidade
antecipada, na Ilíada de Homero, embora as fotografias já
divulgadas na internet há vários meses nos mostrem que o enredo do filme
ultrapassa a barreira do último verso da Ilíada para entrar
pela Odisseia dentro, pois a imagem do célebre
cavalo de madeira, por meio do qual Tróia foi tomada e saqueada ao fim de dez
anos, pertence à Odisseia, e não à Ilíada.
Para todos
os que, como eu, lutam diariamente para convencer os cépticos da importância
actual da Literatura Grega, o facto de a indústria cultural mais mercenária do
nosso planeta ter escolhido investir tantos milhões na readaptação e
divulgação da epopeia homérica é motivo de alegria. Afinal, parece que nos
estão a dar razão: a poesia homérica é mesmo empolgante, é actual, tem todas as
capacidades para comover, entusiasmar, meter medo... não fica atrás da Guerra das
Estrelas ou do Senhor dos Anéis.
Eu ainda não vi o filme Tróia, portanto não
me posso pronunciar sobre a sua qualidade; posso dizer, porém, que tenho
poucas expectativas e que, por tudo o que já li, parto do princípio de que a
adaptação será confrangedora e profundamente anti-homérica. Ao que parece, à
boa maneira hollywoodesca, a tónica do filme residirá na questão da violência,
realidade aliás inseparável do âmago da poesia homérica, pois não só a Ilíada nos relata
com terríveis pormenores anatómicos as mortes de incontáveis heróis, como a
própria Odisseia, muitas vezes apelidada
"poema de paz", acaba com a chacina de cento e oito rapazes novos às
mãos de um homem mais velho (coadjuvado pelo filho e por dois servos). A
ideia de que é mais excitante ouvirmos a descrição pormenorizada de pessoas a matarem-se umas às outras do que a amarem-se umas às outras é um dado narrativo instituído
por Homero, que por um lado relata cenas de amor com todo o pudicícia e sem a
mínima suspeita de voyeurismo (tendo o cuidado de terminar a descrição mesmo
antes de as coisas começarem a aquecer), mas por outro lado põe a câmara (para
falar em termos cinematográficos) mesmo em cima do crânio estilhaçado pela
lança inimiga,
fazendo-nos ver os miolos da pessoa morta derramados na terra, ou o braço
decepado, os intestinos a sair do golpe infligido na barriga, os testículos
rasgados. Para milhares e milhares de espectadores em todo o mundo, que a
partir de amanhã irão ver o filme Tróia sem nunca
terem lido Homero, o horror da violência ficará como primacial elemento
caracterizador da epopeia grega; e essas pessoas verão justamente na violência
aquilo que faz da epopeia homérica um artefacto de cultura actual.
Mas
convertendo esta ideia, podemos dizer que o cinema épico de massas é um
artefacto de cultura com contornos arcaicos, porque a poesia épica não nasce na
Grécia como modelo de narração destinado às elites, mas como poesia popular,
capaz de chegar a todos os estratos sociais, desde os mais humildes à realeza.
Na Grécia antiga, a coisa mais parecida com o prazer moderno de irmos ao cinema
era ouvir a recitação dos Poemas Homéricos. Assim se compreende que todos os
grandes eventos desportivos na Grécia (Jogos Olímpicos, etc.) integrassem a recitação dos Poemas Homéricos; assim se
compreende que, na obra de um autor do séc. IV como Platão, perpasse
permanentemente a ideia de que Homero é o expoente máximo da poesia, da
narração, da própria magia da palavra. E é por isso que Homero será visto como
perigoso e que será excluído, na República, da cidade
ideal.
Mas Platão
não é o primeiro filósofo a reagir de forma desconfiada contra o sortilégio
exercido pela poesia homérica: antes dele, Heraclito afirmara que Homero devia
ser açoitado e expulso dos festivais; e Xenófanes dissera que a poesia de
Homero está repleta de mentiras, por atribuir aos deuses todo o género de
estupros, vilezas, vinganças e maldades. Ao lermos Os Lusíadas do nosso
sublime Camões, encontramos o mesmo panteão, o mesmo modelo, a mesma maneira de
olhar para o mundo (não obstante a base espiritual do Cristianismo). Mas a
grande diferença é que com Os Lusíadas já estamos a
lidar com um artefacto destinado a elites: é um poema cuja concepção e
linguagem tornam a sua fruição inacessível às massas, ao passo que a Ilíada e a Odisseia partilham
com a Bíblia esse estatuto mágico de serem obras-primas absolutas culminantes da cultura
universal, mas ao mesmo tempo perfeitamente compreensíveis até para o
analfabeto que ouve a respectiva leitura em voz alta. Em Roma nunca houve
qualquer texto literário com esta característica, à excepção talvez da
tradução da Odisseia de Lívio Andronico. E na própria
Grécia, apesar de a tragédia e a comédia serem espectáculos a que assistiam
milhares de pessoas, a linguagem em que foram compostas tornava-as à partida
inteligíveis, em toda a sua plenitude, para um número
apenas muito restrito de cidadãos. O que no fundo funcionou para trazer a
tragédia mais perto dos espectadores foi o facto de os tragediógrafos
recorrerem sistematicamente ao manancial de temas épicos para comporem os seus entrechos. E não será por acaso que as duas tragédias mais lidas e mais estudadas
de Sófocles e Eurípides até à queda Constantinopla no séc. XV da nossa era,
respectivamente as tragédias Ajax e Hécuba,
tivessem como tema episódios da guerra
de Tróia.
Mas é evidente que será mais no seio do próprio género épico do que na
tragédia que vamos encontrar indícios de que a poesia homérica moldou a forma de ver o mundo ou, melhor
dizendo, a forma de contar,
narrar o
mundo. A Eneida de Virgílio, poema em doze cantos, é disso testemunha eloquente, na
medida em que a sua estrutura espelha tanto na Ilíada como a Odisseia,
a ponto de se poder dizer que os
primeiros cantos são um decalque da Odisseia,
sendo os cantos sete a doze um decalque
da Ilíada. E talvez por influência da Eneida,
verificamos que n’ Os Lusíadas temos também um conceito de como olhar para a história, de como contá-la, que se estrutura mais
uma vez segundo o modelo da Odisseia.»
* * * * *
Os estudos clássicos em Portugal têm uma especialista de primeira plano: Maria Helena da Rocha Pereira.
Este seu livro é um marco importante.
Aqui ficam alguns excertos, dedicados à ODISSEIA:
«A Odisseia é,
fundamentalmente, um poema de (…) regresso, um dos muitos que se compuseram,
possivelmente o mais extenso, e seguramente o melhor. Aquela palavra aparece
logo na proposição e invocação com que abre a epopeia.
Estamos bastante afastados do tema da Ilíada, embora as
figuras principais continuem ligadas ao ciclo troiano. O alvo agora é a paz, e
pode dizer-se que a nostalgia
da paz é a sua dominante.
A Ilíada é a
glorificação do ideal heróico. A Odisseia abre com a
palavra que significa «homem», e só vinte versos adiante o identifica; homem
que muito sofreu e que muito aprendeu sobre os mais variados povos. É o poema
das aventuras, das múltiplas histórias que excitam a atenção do ouvinte, e do
espírito aberto a todas as curiosidades de «Ulisses dos mil artifícios», que
vence todas as dificuldades graças ao seu engenho. Nele podem ter lugar os
grandes gestos de coragem e os rasgos de heroísmo, mas a narração oscila de
preferência entre o romanesco, ou até o fantástico e também o que é
simplesmente natural.
Embora a acção seja mais concentrada, temos
dois fios condutores em vez de um: as aventuras de Telémaco e as de Ulisses,
que só se encontram e se reconhecem no canto XVI. Também há duas cóleras
divinas a perseguir Ulisses: a de Poséidon e a de Hélios, que não se cruzam nem
interferem uma na outra. A proposição anuncia a segunda, mas ignora a
primeira, que aliás surgirá antes dela na sequência do poema Mas vejamos qual a
ordenação dos factos:
Canto I — Os deuses reunidos no Olimpo, na
ausência de Poséidon, decidem que Ulisses regresse a Itaca. O jovem filho de
Ulisses, Telémaco, aconselhado por Átena, que lhe fala disfarçada de Mentes,
resolve partir em busca de novas do pai.
Canto II — Para isso, convoca a assembleia de
Ítaca, a fim de solicitar dela um navio que lhe permita ir a Pilos e a Esparta
inquirir de seu pai. Disfarçada de Mentor, Atena promete-lhe assistência.
Canto III — Recepção de Telémaco e Atena-Mentor
em Pilos. Nestor conta o fim de Agamémnon e aconselha Telémaco a visitar
Menelau, para o que lhe dará por companhia seu filho Pisístrato.
Canto IV — Na Lacedemónia, os dois jovens são
recebidos por Menelau, e depois de se identificarem, recorda-se o fim de Tróia e as circunstâncias do
regresso do rei de Esparta. Entretanto, em Ítaca, os pretendentes preparam uma
emboscada a Telémaco.
Canto V — Os deuses reunidos no Olimpo determinam que Ulisses
regresse a Ítaca, pelo que mandam Hermes à ilha de Ogígia dar ordem à ninfa
Calipso de deixar partir o herói. Este constrói uma jangada e faz-se ao mar. Mas Poséidon, que o vê, desencadeia
uma tempestade que o faz naufragar. Salva-se a nado, graças a um véu da deusa marinha
Leucoteia.
Canto
VI — Nausícaa, filha do rei dos l7eaces, devido a um sonho
inspirado por Atena, vai lavar roupa ao rio com as aias. Aí encontra Ulisses
náufrago, a quem manda vestir e alimentar, e ensina-lhe como há-de proceder para conseguir regressar
ao seu país.
Canto
VII — Ulisses apresenta-se como suplicante à rainha Arete. O rei
Alcínoo concede-lhe a hospitalidade e promete reconduzi-lo a Ítaca.
Canto
VIII — Prepara-se o navio e dá-se um grande banquete em honra de Ulisses.
Este, ao ouvir o aedo cantar o seu glorioso passado, comove-se, o que faz suspeitar Alcínoo da sua
identidade. Para o distrair, o rei leva Ulisses a assistir aos jogos dos
Feaces. O aedo canta os amores de Ares e Afrodite, e mais tarde, a pedido de
Ulisses, o estratagema do cavalo de pau. O rei de Ítaca ouve, emocionado.
Canto
IX — Ulisses revela-se e, a pedido dos seus hospedeiros, começa a
contar as suas aventuras: com os Cicones, os Lotófagos, o Ciclope.
Canto
X— Continua a narrativa: a ilha de Éolo, os Lestrígones, a ilha de Circe.
Canto
XI — Ulisses vai aos infernos consultar o tebano Tirésias sobre o seu
regresso. Aí fala também com a mãe, com as heroínas e com alguns heróis do
cerco de Troia, e avista Minos, Orion, Hércules e os
supliciados divinos.
Canto
XII — Narrativa dos episódios das Sereias, de Cila e Caríbdis, das vacas do Sol.
Canto
XIII — Os marinheiros feaces deixam Ulisses adormecido na terra de Ítaca. O navio que o trouxe petrifica-se, por castigo de Poséidon. Ulisses escuta os
conselhos de Atena sobre a vingança.
Canto
XIV — Ulisses na cabana de Eumeu, guardador dos seus porcos, que o não
reconhece, é informado do estado de coisas em Ítaca.
Canto
XV — Telémaco regressa e consegue evitar, graças a Atena, a emboscada dos
pretendentes.
Canto
XVI — Na cabana de Eumeu, que os acolhe, e enquanto este vai prevenir
Penélope do regresso do filho, Ulisses e Telémaco reconhecem-se e preparam um plano.
Canto
XVII — Telémaco regressa ao palácio. Ulisses acompanhado por Eumeu, apenas é reconhecido pelo seu velho cão, e é mal recebido por todos.
Canto
XVIII — Ulisses combate com o vagabundo Iro e vence-o. Penélope sugere aos pretendentes que
mostrem a sua dedicação ofertando-lhe presentes, e não dissipando os seus
haveres.
Canto
XIX — Ulisses, sempre desconhecido, conta a Penélope uma história que garante
que o senhor da casa está prestes a aparecer. Euricleia, a velha ama de Ulisses, ao lavar-lhe os pés, reconhece-o por uma cicatriz. Penélope, sempre na
ignorância dos factos, anuncia o seu plano para escolher um dos pretendentes.
Canto
XX — Durante um agitado festim dos pretendentes, Ulisses é maltratado e
insultado.
Canto
XXI — Penélope traz o arco de Ulisses, prometendo a sua mão ao que for capaz
de desfechar com ele uma seta que atravesse os buracos de doze machados em
fila. Todos falham. Ulisses consegue experimentar a sua habilidade, graças à
intervenção de Penélope, e acerta à primeira vez.
Canto
XXII — Ulisses revela-se e, com o auxílio de Telémaco, do porqueiro
e do boieiro, os dois guardadores de gado que lhe tinham ficado fiéis, massacra
todos os pretendentes e maus servidores. Apenas são poupados o aedo e o arauto.
Canto XXXIII — Penélope reconhece finalmente Ulisses, depois de este ter
provado conhecer o segredo da construção do leito conjugal.
Canto XXIV — As almas dos pretendentes são levadas por Hermes para o
Hades, onde dialogam Agamémnon e Aquiles. Ulisses visita seu pai Laertes.
Juntamente com ele e com Telémaco, lutam contra as famílias dos pretendentes.
Atena estabelece a paz entre os dois partidos.
Este resumo, muito esquemático, aliás, podia reduzir-se ainda ao seguinte:
Aventuras de Telémaco (I - IV)
Ulisses na ilha de Calipso (V)
No País dos Feaces (VI - VIII)
Errores de Ulisses (IX - XII)
Repatriação de Ulisses e revelação a Telémaco
(XIII – XVI)
Vingança de Ulisses (XVII - XXIV).
(…)
in: Maria Helena da Rocha Pereira, ESTUDOS DE HISTÓRIA DA CULTURA
CLÁSSICA, vol. I – Cultura grega,
3ª ed, Fundação Calouste Gulbenkian, Coimbra, 1970
* * *
LER OS CLÁSSICOS?
SIM! PORQUE MERECEMOS O MELHOR!
LER OS CLÁSSICOS?
- Essa história de "ler os livros
clássicos" já me aborrece. Quero lá saber... Livros escritos há séculos,
alguma vez podem ter interesse para quem vive no século XXI?!!...
- Já percebi... para ti o que interessa é o
imediato, o aqui e agora. Assim não vais longe...
- Pois claro que não vou longe, eu nem quero
sair daqui... A mim bastam-me os livros escritos por gente do meu tempo!
Não me interessa nada essa treta do D. Quixote, um homenzinho maluco que viveu
há 400 anos e atacava moinhos de vento...
- Cada
um lê o que quer, tudo bem. Mas acho que tu
mereces mais...
- Não
percebo...
- Sem querer armar-me em teu mestre, só te digo: os chamados
livros clássicos são reconhecidos como tal porque são livros de todos os
tempos. Falam do Homem intemporal e têm o condão de serem entendidos por leitores
de todas as épocas.
- Mas nós estamos numa época especial. Temos
computadores, somos um mundo global, agora é tudo diferente de antigamente.
- Será? As circunstâncias mudam com rapidez mas
o ser humano permanece mais tempo... Embora também evolua, claro. O que os
grandes livros clássicos nos mostram é a riqueza e a variedade do ser humano ao
longo do tempo. Tu hoje abres a Bíblia - um grande texto clássico, para além da
Fé de cada um - numa página qualquer e parece que te está a falar dos problemas
que tens hoje. Abres a «Odisseia» e tens a mesma sensação. O mesmo com uma peça
de Shakespeare, ou o magnífico «Moby Dick.».
- Estás a meter tudo no mesmo saco...
- A grande qualidade dos livros clássicos é que
eles podem ser lidos de muitas maneiras. Sabias que «Os Lusíadas» já foram
estudados como livro de Ciências Naturais? Por ele sabemos o que o homem do
século XVI conhecia sobre esse assunto...
- E o D. Quixote serve para estudar o quê? Como
se não deve atacar moinhos de vento?
- Isso é um preconceito. As pessoas só pensam
nos moinhos de vento quando falam do D. Quixote. A verdade é que este é um dos
mais divertidos e variados livros de sempre. A história dos moinhos é um grão
de areia no meio daquele mar de histórias, diálogos, situações. E há a figura
do Sancho Pança, uma espécie de Zé-povinho, só que muito mais esperto.
- Já sei: daqui a pouco estás a dizer que todos
temos um bocadinho de Quixote e de Sancho dentro de nós... Bahh! Conversa
intelectualóide...
- Deixa-te de bocas patetas. Já reparaste?
O grande prejudicado és tu! Eu divirto-me à grande com um livro fabuloso
- um clássico, caramba! - e tu contentas-te com... sei lá o quê? Mereces
mais... Acredita: mereces muito mais!
J. Moedas Duarte
LUGAR ONDE, jornal
BADALADAS, 28/07/2006
* * *
ODISSEIA E EÇA DE QUEIROZ
O que é que o conto de Eça, A PERFEIÇÃO, tem a ver com a ODISSEIA?
Resposta aqui:
http://virtualbooks.terra.com.br/freebook/port/download/A_Perfeicao.pdf
* * *
ODISSEIA
Homero
Tradução de Frederico Lourenço
Livros Cotovia, 2003
«Frederico Lourenço nasceu em Lisboa, em 1963. Licenciou-se, em 1988, em Línguas e Literaturas Clássicas na Universidade de Lisboa, onde se viria a doutorar (1999) com uma tese sobre os cantos líricos de Eurípides.
É membro do corpo docente da Faculdade de Letras desde 1990. Além do estudo da poesia grega, tem-se dedicado à exegese da obra de Platão e Camões. Colaborou com a Cinemateca Portuguesa e publicou ensaios de crítica literária. Foi colaborador dos jornais Independente, Expresso, Público e, presentemente, do Diário de Notícias. Traduziu também duas tragédias de Eurípides, Hipólito e Íon.
Publicou a trilogia de romances Pode um Desejo Imenso, O Curso das Estrelas e À Beira do Mundo, obras pelas quais foi distinguido com o prémio PEN Clube 2002 e que estão agora reunidas num único volume, Pode um desejo imenso.
Em Maio de 2003, saiu a tradução em verso da Odisseia homérica, que ganhou o prestigiado Prémio D. Diniz da Casa de Mateus, assim como o Grande Prémio de Tradução - APT / PEN Clube 2003.
À tradução da Odisseia seguiu-se a da Íliada, em 2005, e uma antologia de poesia grega, em 2006.»
(http://biblioteca-epalm.blogspot.pt/2010/01/destaque.html)
* * *
O QUE DIZ O TRADUTOR DA ODISSEIA
(In: Jornal de Letras, 6 Agosto 2003)
«Jornal de Letras -Porquê traduzir a Odisseia?
Frederico
Lourenço - Primeiro porque não havia, de facto, nenhuma tradução
satisfatória da obra (a da editora Sá da Costa é vertida do grego, a da
Europa-América do francês, ambas em prosa). Na nossa actividade universitária,
estamos sempre a dizer aos alunos que as traduções da Odisseia não são boas
e, a certa altura, já se tornava cansativo repetir a mesma coisa...
JL - Quais as maiores dificuldades que enfrentou neste trabalho?
F.L. - O maior
problema que senti foi no momento de entregar a tradução na editora porque o
poema é muito extenso. Tem 24 cantos, 12 mil versos.
Depois de
cinco anos de trabalho, era preciso harmonizar tudo para que não se notasse o
tempo que levou a fazer.
JL - Começou a tradução pelo Canto VI e não pelo Canto I, por que
razão?
F.L. - No fundo, comecei pelas partes de que gosto
mais para experimentar e ver se funcionava. A partir daí, as coisas foram crescendo,
tipo manta de retalhos, até que decidi que já tinha material suficiente para
me dar ao trabalho de fazer tudo, mesmo as partes de que gostava menos. Embora,
depois, também tenha passado a gostar dessas, quando fiz a tradução completa.
JL - O que é que os textos clássicos têm para dar aos leitores
actuais?
F.L. - A Odisseia é uma
história tão bem contada, tão interessante e empolgante, que qualquer pessoa
gosta. Tem quase a técnica de um filme policial, que nos deixa em suspenso,
muitas vezes. Como no final do canto IV, em que os pretendentes vão assassinar
Telémaco. No último verso, eles ficam naquele sítio à espera dele, e depois passam-se milhares de versos a falar de outros
assuntos, mas nós ficamos sempre com a corda na garganta sem saber se o vão
assassinar. Por outro lado, percebemos que é uma história em que só morrem os
maus. O que é uma diferença substancial em relação à Ilíada, em que os
bons são castigados e os maus recompensados. A Odisseia está mais
perto de um conto de fadas, há talvez uma visão mais infantil do
mundo.
JL - O que não deixa de ser curioso, se pensarmos que a Ilíada foi escrita
anteriormente à Odisseia. F.L. - Sim, a Ilíada foi composta
antes. Não se sabe exactamente quando, se 25 ou 50 anos antes. Há até quem fale
em 100 anos de diferença. No entanto, há quase a certeza absoluta de que quem
escreveu a Odisseia conhecia bem a Ilíada. Há muitos
versos iguais nos dois poemas. Daí que, durante muito tempo, se pensasse que
ambos tinham sido escritos na mesma altura, ou pela mesma pessoa.
JL - De qualquer forma, não pode ter sido o autor da Ilíada quem imitou
o da Odisseia"!
F.L. - Não. Isso
é impossível. Mesmo linguisticamente, ao nível da semântica e da morfologia, a Ilíada é um poema
muito mais antigo. Tem a ver com a história da língua. A Ilíada é mais como
o português medieval, de Fernão Lopes, e a Odisseia como o de
Camões. Num texto que escrevi sobre esta temática, faço uma comparação entre a Odisseia e a Sé de
Braga. A Sé de Braga é uma catedral que começou por ser românica, mas tem
acrescentos góticos, partes manuelinas. É, portanto, uma grande amálgama de
estilos e de épocas, tal como a Odisseia. Aliás, um
dos motivos de desentendimento entre filólogos, nesta matéria, tem a ver,
precisamente, com o decidir se determinada parte é mais antiga ou mais recente.
Na verdade, estamos a falar de um texto com 2800 anos que nunca poderemos ler
com o espírito de uma pessoa dessa época. E depois, à medida que os séculos
passam, as coisas vão-se parecendo mais umas com as outras. Se calhar, daqui a
3000 anos, entre o português de Fernão Lopes e o de Miguel Sousa Tavares não
haverá grande diferença...»
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ALMEIDA GARRETT E AS VIAGENS NA MINHA TERRA
«Pelo seu conteúdo ideológico, pelos seus conflitos, por tudo o
que de pessoal Garrett verteu nas suas reflexões e nas suas personagens, pelo
modo tão íntimo como sentiu a paisagem, pelo amor das coisas da nossa terra,
pelo estilo natural, vivo e pessoalíssimo que criou, as Viagens são uma obra
do melhor que o Romantismo produziu entre nós. Revelam-nos um homem bom, culto, lúcido,
elegante, sensível às coisas simples, como às futilidades do século, e dotado,
além do mais, de um bom gosto, que muitos, no seu tempo, não souberam possuir.
Retomando uma expressão que empregámos no início do prefácio,
podemos sem receio afirmar que este livro representa um marco capital na nossa
literatura. Poucos exprimem melhor do que ele a psique e a estesia românticas.
Livro "organizado" na sua aparente desordem, enfeixa numa visão
trágica, apesar da bonomia constante, as digressões que o constituem: o espectáculo que se oferece - salvo o
da pujança da Natureza, seja ela terra ou povo - é sempre o da decadência,
visível no estuque assassino dos templos, na literatura "cava e
funda", nos contos de réis que se apregoam, na baronia sem alma de Carlos;
visível, enfim, na morte necessária de Joaninha, a dona dos olhos verdes e a
amiga dos rouxinóis. Joaninha - um desses raios transientes de luz que são
revérbero do Criador acordam as memórias do Éden perdido, para logo acabarem
esmagados pelas "barras de ferro" das constrições e deformações
sociais.
Por tudo isto, poucos
livros nos anunciam também melhor do que as Viagens o ruir da sociedade e da literatura
românticas. Não só, com efeito, aí se revela a desilusão do liberalismo tal
como ele se manifestou entre nós, se critica a estruturação injusta da sociedade
capitalista, se denunciam os exageros e a retórica da literatura da época,
como, em compensação, se abrem também novos rumos à literatura portuguesa. O
interesse manifestado pelas coisas da nossa terra, que Garrett mostrava possuírem
virtualidades capazes de suscitar a emoção estética, contribuía para
encaminhar os escritores de então no sentido dos motivos nacionais: uma novela
como a da Menina dos
Rouxinóis, além
de um exemplo de sobriedade, era uma novela de assunto bem português, já não
propriamente histórico, mas quase contemporâneo, onde as personagens não eram
convencionais ou declamatórias, mas profundamente humanas nas
"situações" em que se debatiam. Facilitava-se deste modo o caminho à novela de tipo
camiliano, que surgiria pouco depois. Uma profunda revolução se reflectia
também no estilo. Vendo o modo como Garrett se soube comunicar através dele, adaptando-o aos cambiantes de pensamento, como enriqueceu
de novos valores semânticos velhas metáforas da língua, a fina ironia e o traço
justo de que usou na caracterização rápida através de uma adjectivação
absolutamente nova, a extrema habilidade com que brincou quase com a língua,
não podemos deixar de reconhecer quanto lhe deve, por exemplo, um escritor como
Eça. Com base se tem vincado que a prosa literária portuguesa moderna nasceu
com Garrett.»
OFÉLIA MONTEIRO,
Viagens na Minha Terra de Almeida Garrett
Postado em 4 de Janeiro de 2013
Gostei imensamente dos textos.
ResponderEliminarObrigada pela partilha.
Obrigado pela sua visita, Lis.
ResponderEliminarvolte sempre
JMD
Já aprendi mais alguma coisa.
ResponderEliminarJoaquim Cosme