4 Junho 2013
VIAGENS COM PALAVRAS
DESAFIO
: ESCOLHA O LIVRO DA SUA VIDA-tragam um
livro de que gostem muito e expliquem a razão desse gosto.
Este desafio é, simultaneamente
muito Difícil e muito Fácil de conseguir!
Difícil,
porque havendo tantos livros que para Todos
Nós são Os Livros da Nossa Vida - os que são considerados alguns dos monstros sagrados da
literatura e dos quais cito só alguns
exemplos, que li:
- Cem anos de solidão- Gabriel Garcia Marques
- O nome da rosa- Umberto Eco
- A casa dos espíritos - Isabel Allende
- As memórias de Adriano - Marguerite Yorcenar
- Ulisses ou Gente de Dublin – James Joyce
- Quase todos os livros de Eça de Queiroz…(eternamente
presentes, e atemporais), o embaraço da escolha seria enorme, se este fosse o
critério.
Mas haverá muitos e
muitos mais.
A escolha só se tornaria um pouco mais Fácil, visto ser, por razões várias, pouco
conhecedora de literatura.
Apesar de tudo, em
minha opinião, para a designação do ” livro de uma vida” nunca seria capaz de
ter uma resposta simples e única.
Então, decidi abordar o
desafio de outro modo: seguir o fio
condutor deste Curso - “Viagens com palavras” e escolhi um pequeno livro que
descreve uma viagem, que apreciei quando li, apesar de não me considerar
entre o número de leitores que admiram a forma de escrever do autor. Em algumas
obras aprecio o conteúdo.
O livro narra a história de Salomão, elefante nascido em
Goa e levado para Portugal no Século XVI e que, anos depois, é oferecido pelo
Rei Dom João III e sua esposa, Catarina d’Áustria, ao arquiduque austríaco
Maximiliano II, como presente de casamento. A inacreditável viagem do
paquiderme de Lisboa a Viena, na Áustria, e todas as dificuldades do trajeto é
o que acompanhamos no livro.
Salomão havia sido levado para Portugal para atender a caprichos
de Dom João, que precisava de algo excêntrico e vistoso para chamar a atenção
dos súbditos. De facto, o gigantesco animal de 4 toneladas foi a atração da
cidade durante um bom tempo, mas, assim como ocorre com todas as novidades
empolgantes, caiu no esquecimento e passou a ser um estorvo. A oportunidade
perfeita de se livrar do problema e, simultaneamente, causar impacto junto ao
povo austríaco, deu-se na forma do presente de casamento.
No entanto, é lógico que enviar um animal desse porte mais todos
os suprimentos de que necessita em uma viagem de meses, que cruza vários
países, não é uma tarefa simples. Infelizmente, as falhas de logística e de
planeamento só foram percebidas quando a caravana já estava em curso, e
incluíam desde a escolha inadequada do período para o deslocamento (era uma
época chuvosa de inverno) até a organização dos componentes no comboio,
passando por problemas diplomáticos entre os países envolvidos na entrega do
“presente” e um trecho do trajeto que exigia o transporte por navio. Além de
Solimão, o elefante, fazem parte da caravana nesta viagem, o cornaca Subhro,
duas juntas de bois, os condutores das juntas de bois, militares, comandantes
militares , soldados, boieiros, ajudantes etc.
A verdade é que esta viagem ocorreu mesmo e já deu origem a outro livro
posterior ao do José Saramago e intitulado- Salomão o elefante diplomata, de
Jorge Nascimento Rodrigues e Tessaleno Devezas.
Do livro apreciei em
especial as descrições das peripécias que ocorrem durante a viagem e o modo
como os humanos envolvidos as encaram e as vivem. Realço em particular as
descrições do comportamento do elefante que me enterneceram particularmente.
( os elefantes, como aliás muitos outros animais têm sido tão vítimas da
ganância humana!).
Passo a citar este
extrato do livro:
Subhro mandara-os formar em linha dupla, quinze à frente e quinze atrás, deixando
a
distância
de
um côvado entre cada dois homens,
o que indicava como
provável que o elefante não teria que fazer mais que
desfilar diante deles como se estivesse a passar revis- ta à tropa. Subhro tomou outra vez a palavra para di- zer que cada homem, quando
salomão parasse na sua frente, deveria estender
a mão direita, com a palma
para cima, e esperar a despedida. E não tenham
medo, salomão está
triste, mas não
está zangado, tinha-se habituado a vocês e agora descobriu que se vão embo- ra, E como o soube ele, Essa é uma daquelas
coisas
que nem vale a pena perguntar, se o interrogássemos directamente, o mais certo seria não nos responder, Por não saber ou por não querer, Creio que na cabeça de salomão o não querer
e o não saber se confundem
numa grande interrogação sobre
o mundo em que o puseram a viver, aliás, penso que nessa interrogação
nos encontramos todos, nós e os elefantes……………
Estava-se nisto,
cada qual com os seus pensa-
mentos, quando salomão apareceu, movendo
pesada- mente as suas quatro toneladas
de carne e ossos e os seus três metros de altura. Alguns
homens
menos afoitos sentiram um aperto na boca do estômago só de imaginarem que alguma coisa poderia correr
mal nesta despedida, assunto,
o das despedidas entre es- pécies animais diferentes, sobre o qual, como disse-
mos, não existe bibliografia. Acolitado pelos seus au- xiliares, a quem não falta muito para que se lhes acabe o
dolce far niente em que têm vivido desde que
saíram de lisboa,
subhro vem sentado
no amplo cachaço
de salomão, o que só serviu para
aumentar o desassosse- go dos homens alinhados. A pergunta estava em todas as
cabeças, Como poderá
ele acudir-nos se está lá tão
alto. As duas filas oscilaram uma e outra vez, parecia que haviam sido sacudidas por um vento fortissimo, mas os carregadores não se dispersaram. Aliás, seria inútil porque o elefante já se aproximava. Subhro fê-lo deter-se diante do homem que se encontrava no ex- tremo direito da primeira fila e disse em voz clara, A mão estendida, a palma para cima. O homem fez o que
lhe ordenavam, a mão ali estava, firme
na aparência. Então o elefante pousou sobre a mão aberta
a extremidade da tromba e o homem respondeu ao gesto instintivamente,
apertando-a
como
se fosse a mão de uma pessoa, ao mesmo tempo que tentava
dominar a contracção que se lhe estava
a formar na garganta e
que poderia,
se deixada à solta,
terminar em lágrimas. Tremia dos pés à cabeça,
enquanto Subhro, lá de cima, o
olhava com simpatia………..
Em compensação, houve momentos de vivíssima emoção,
como foi o caso daquele homem que explodiu num choro convulsivo como se tivesse reencontrado um ser querido de quem havia muitos anos não tinha notícias. A este tratou-o
o ele- fante com
particular complacência. Passou-lhe a tromba pelos
ombros e pela cabeça em carícias que quase
pareciam humanas, tal eram a suavidade e a ternura que delas
se desprendiam no menor movi- mento. Pela primeira vez na história
da humanidade, um animal despediu-se, em sentido próprio,
de alguns seres humanos
como se lhes devesse amizade
e res- peito, o que os preceitos
morais dos nossos códigos de comportamento estão longe de confirmar,
mas que talvez
se encontrem inscritos
em letras de ouro nas leis
fundamentais da espécie
elefantina.
Transcrevo também um extrato de uma entrevista feita a José
Saramago sobre esta obra:
"[Contei esta história] em primeiro lugar, porque me
apeteceu, e em segundo lugar, porque, no fundo - se quisermos entendê-la assim,
e é assim que a entendo - é uma metáfora da vida humana: este elefante que tem
de andar milhares de quilómetros para chegar de Lisboa a Viena, morreu um ano
depois da chegada e, além de o terem esfolado, cortaram-lhe as patas dianteiras
e com elas fizeram uns recipientes para pôr os guarda-chuvas, as bengalas,
essas coisas".
"Quando uma pessoa se põe a pensar no destino do
elefante - que, depois de tudo aquilo, acaba de uma maneira quase humilhante,
aquelas patas que o sustentaram durante milhares de quilómetros são
transformadas em objectos, ainda por cima de mau gosto - no fundo, é a vida de
todos nós. Nós acabamos, morremos, em circunstâncias que são diferentes umas
das outras, mas no fundo tudo se resume a isso", defendeu.
Sobre a epígrafe do livro, o prémio Nobel da Literatura
português sustentou que esta "é muito clara quando diz `sempre acabamos
por chegar aonde nos esperam`".
"E o que é que nos espera? A morte, simplesmente.
Poderia parecer gratuita, sem sentido, a descrição, que não é exatamente uma
descrição, porque é a invenção de uma viagem, mas se a olharmos deste ponto de
vista, como uma metáfora, da vida em geral mas em particular da vida humana,
creio que o livro funciona", comentou.
Finalmente , e por uma
coincidência interessante ,vim a encontrar, em 2009, uma pata deste elefante, na
exposição temporária Encompassing the
Globe no Museu Nacional de Arte Antiga. Disto encontrei este apontamento na
internet:
O Tamborete de
SalomãoTamborete, gravado com o escudo de armas de Maximiliano II
Viena, Áustria, 1554
Ossos de Elefante, 82x90x55 cm
Stift Kremsmünster, Áustria
Viena, Áustria, 1554
Ossos de Elefante, 82x90x55 cm
Stift Kremsmünster, Áustria
Este banco foi fabricado com os ossos
de Salomão (Soliman), elefante oferecido em 1551 pelo Rei D. João III ao
príncipe Maximiliano II, Rei da Boémia e Arquiduque da Áustria. Acompanhando o
seu novo mestre por via terrestre de Génova a Viena, esta espantosa criatura
foi objecto de um vivo interesse popular, quer no seu percurso quer à chegada
ao seu novo local de residência. Após a morte de Salomão, a pata anterior
direita foi guardada para construir este banco onde está inscrita a história do
animal desde a sua captura na Índia até à chegada ao Sacro Império
Romano-Germânico. A peça pode ser vista no Museu Nacional de Arte Antiga na
exposição Encompassing
the Globe: Portugal e o mundo nos séculos XVI e XVII até 11 de Outubro.
NOTA: Existem vários sites na net com muita informação sobre
esta obra, até mesmo um em que o texto do livro está na integra publicado em
PDF.
Maria Helena Vaz Pinto Vasques
NOTA: peço desculpa pelas irregularidades de apresentação do texto mas isso deve-se à formatação em que foi enviado e que não consegui alterar.
* * * * *
VIAGEM À
VOLTA DO MEU QUARTO
OU
“ELOGIO
DAS VIAGENS PICTÓRICAS DE NIKIAS SKAPINAKIS AOS QUARTOS DOS OUTROS”
O desafio lançado para a
elaboração de um “escrito” com o mote “ viagem à volta do meu quarto”, feito após
terem sido lidos e comentados extratos da obra de Xavier de Maistre e se ter
iniciado a apreciação da obra Viagens na minha terra, não é fácil de encarar.
Teria de ser uma abordagem
intimista, ou então muito imaginativa.
Haveria, de certo, diversos
modos de encarar o tema, com mais ou menos imaginação. Mas, não sendo escritora,
nem pintora nem poeta, nem desejando expor-me na verbalização de tão intimista
descrição, correria seriamente o risco de fazer uma viagem no mínimo ”
desajeitada”…
Porém, no slide onde estava
expresso o desafio, havia, além da escritura do título do tema, a projeção de
uma imagem - o quadro representando o quarto de Vincent Van Gogh pintado pelo
próprio.
Parecia-me ser um “teaser” para
se agarrar o tema…
Fez-se luz …viajei de olhos
fechados para quartos de outros que não o meu. Por que não?
Então resolvi
virar o tema do avesso.
Fechei os olhos, só via o quarto
de Vincent. Mas, bem dentro do meu quarto, viajei até ao dia 12 do passado mês
de Maio.
Estava em Lisboa no CCB, tinha
ido ver a exposição temporária de Nikias Skapinakis intitulada “ Presente e
Passado 2012- 1950 “
Uma boa parte da exposição, a
que mais apreciei, dizia respeito a quadros representando quartos de outros artistas.
É uma série de pinturas, todas sensivelmente
do mesmo formato, que retratam 27 “ quartos
imaginários”- assim lhes chama o artista, de outros pintores e escritores,
que o autor gostaria de ter conhecido. Todos eles à maneira do quarto amarelo
de Van Gogh, ostentavam sempre uma cama, talvez uma janela, e um pormenor que
nos recorda a obra do seu suposto proprietário. É um modo de constatação de
como o quarto de alguém pode, e é quase sempre o retrato quase vivo dessa
personagem
São 27 quadros representando
“quartos imaginários” entre os quais passo a citar só alguns:
- O quarto de Cesariny em
Lisboa (2011)
-
A varanda de Picasso na Côte d’Azur (2005)
-
O quarto secreto de Vieira e Arpad (2005)
-
O atelier de Chagall (2005)
-
O quarto de Gauguin na “Maison du plaisir”(2004)
-
O atelier de Greco (2004)
-
O último quarto de Fernando Pessoa (2002)
-
O quarto de banho de Marcel Duchamp ou
“Ceci
n´est pas un pissoire” (2011)
- O atelier de Lucien Freud (2002)
Para sentir e entender estes
“quartos imaginários” é interessante lembrar o que diz o académico e escritor Michel
Butor: pintar o seu próprio quarto, que coisa mais rara, mais preciosa! Mas
pintar o de outro artista ou de um poeta, deitar-se nos seus lençóis, mergulhar
no fingimento dos seus sonhos, que transmigração! A nossa voz muda com as suas
palavras e os seus silêncios e a nossa realidade muda com a sua angústia e as
suas esperanças.
O mais fantástico nestas
pinturas, todos óleos sobre tela e de iguais dimensões, pouco elaboradas, é o
facto de nos transmitirem com exatidão, a noção explícita e imediata do que
hoje em dia qualquer pessoa conhece e sente sobre tais artistas, de tal forma
que, mal se vê o quadro, se identifica a quem pertence o quarto pintado. Mas, na
verdade, não pertenceu a ninguém! São imaginados!
Trata-se de uma viagem
fantástica do pintor Nikias Skapinakis a aspectos que, de tão característicos e
intimistas como os de um quarto, nos transportam ao perfil do seu dono /habitante,
retratando-o inequivocamente.
Nestes ”quartos imaginários” a arte
refere-se à própria arte, com Skapinakis homenageando de fora, de forma única,
aqueles que gostaria de ter conhecido.
Terminando esta viagem /recordação
da visita a uma exposição – de quadros de quartos pretensamente de outros -
terei de concordar plenamente com MichelButor quando diz “ Só um artista conseguiria transportar o homem comum à intimidade de
outro artista”
______________________________________________________________________
P S. –
Julgo que, para se entender este “escrito” seria importante ver os quadros
referidos. Se isto for impossível, dar uma espreitadela na NET sobre o pintor e
a sua obra. Envio também o que achei, num site sobre o assunto.
Nikias
Skapinakis no Museu Berardo, Lisboa
Abre hoje ao fim da tarde e pode ser vista até ao
dia 24 de junho, no Museu Coleção Berardo, Lisboa, a mais abrangente exposição
já montada em redor do trabalho do pintor português Nikias Skapinakis. Embora o
Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, o Museu do Chiado ou a
Fundação Serralves já tenham dedicado mostras a este nome maior da nossa
pintura, aquilo que podemos ver em “Nikias Skapinakis – Presente e passado,
2012-1950″, mais do que uma retrospetiva, é uma escolha do
próprio pintor de uma série de obras que marcam e resumem o seu trabalho. A sua
seleção viaja do presente para o passado, e inicia-se com considerações sobre
as suas influências, as suas origens e a sua visão da pintura enquanto processo
de conhecimento que aflora da experiência dos sentidos. O trabalho aqui patente
perpassa o pensamento (profundamente inquietante e metafísico) e as fases
multifacetadas de Skapinakis, conseguindo surpreender a cada passo pela sua
riqueza formal e conceptual. Vemos documentos, fotografias, catálogos, livros,
jornais e artigos (do pintor e dos seus seguidores e estudiosos), mas sobretudo
uma mostra inigualável de telas dos mais distintos períodos da obra do artista,
com particular destaque para a série “Quartos imaginários” (onde a arte se
refere à própria arte, com Skapinakis homenageando de forma única aqueles que
“gostaria de ter conhecido” — Duchamp, Munch, Blake, Magritte, Gauguin, El
Greco, Chagall,…) e para a sequência “Para o estudo da melancolia em Portugal”
(onde pinta as tertúlias e o tédio da sociedade portuguesa dos anos 50 e 60).
Pintor das fulgurações da natureza, das cores e também dos vultos da cidade de
Lisboa, Skapinakis procura incessantemente a essência das coisas, sem certezas
de que ela exista. O seu profundo sentido metafísico e lírico, que pode ser
devidamente apreciado nesta exposição, faz não só da sua obra, como também da
sua figura, presença incontornável da história e da arte portuguesa
contemporânea.
Colaboração de
“Viajante 484”
Dezembro 2012
Observação: podemos completar este texto com algumas ligações:
Gostei muito destas aulas que me fizeram recordar «coisas esquecidas»!
ResponderEliminarObrigada por nos ajudar a recuperar memórias ...
Até para o ano e,«Boas Férias»!